«O lugar primordial que me funda»
O FC Porto há muito extravasou para fora da cidade que o viu nascer. Fez-se de todo o Portugal quando escolheu o azul e branco como bandeira e os seus feitos gloriosos transformaram-no num clube mundial. Uma instituição reconhecida e admirada até no mais recôndito dos países com apaixonados espalhados pelos quatro cantos do globo. Todos meus irmãos, todos unidos pelo brasão abençoado.
No entanto, o FC Porto será sempre do Porto. Foi a cidade do Porto quem lhe deu a alma, quem lhe inculcou aquele caráter único de nunca se vergar, a vontade indómita de vencer. O Porto é pai e mãe do FC Porto e o FC Porto honrou-o cobrindo a sua verde bandeira de glória e levando o nome da cidade pelas quatro partidas mostrando de que massa o seu povo é feito.
Não há portista, tenha ele nascido onde for, viva ele onde viver, que não tenha a cidade no Porto no coração. Obrigado Porto pela inesquecível festa e por nos teres dado o nosso muito amado FC Porto.
Nota: o título é retirado de um texto da Sophia Mello Breyner.
Para o ano no mesmo sítio, ‘Mister’ Sérgio
Bem sei que o tema do momento é o Bruno de Carvalho. Será chato, mas - e sabendo que cedo ou tarde o assunto terá de ser abordado - estou mais interessado no campeão FC Porto e naquilo que fizemos, que fazemos e vamos ter de fazer.
Comecemos pelo treinador.
Na nossa casa a escolha do treinador é sempre a mais importante da época. Nunca, mas nunca mesmo, o nosso Presidente disse que ganharíamos com qualquer treinador ou que a estrutura, no fundo, substituiria o papel crucial do técnico.
Num plantel em que apenas um jogador (e com uma lesão que o impossibilitava de dar o seu contributo à equipa) já tinha sido campeão pelo FC Porto era importante ter um treinador que soubesse o que era ganhar e, sobretudo, ganhar pelo clube. Não havia também margem para um treinador que não conhecesse por dentro e por fora as especificidades do nosso campeonato. O Sérgio Conceição cumpria todos esses requisitos.
O resto era para mim uma incógnita. Conhecia-se o seu trabalho noutras equipas, mas treinar o FC Porto é um desafio de uma dimensão completamente diferente. Lembro-me de o escrever aqui: «o Sérgio tem de provar que é treinador para o FC Porto».
As minhas dúvidas não acabavam aqui, também eu receava a proclamada instabilidade emocional do nosso antigo extremo-direito.
Chegados aqui devo dizer que me lembro de treinadores tão estáveis e equilibrados como o Sérgio, mas nenhum mais do que ele. A forma como lidou com as contrariedades, a maneira como reagiu a erros próprios e de outros, o modo como nunca se deixou provocar pelas campanhas dos adversários, declarados e escondidos, foi exemplar. E a sua fleuma foi fundamental para um conjunto de jogadores que estaria ansioso por vir de épocas de insucesso e que facilmente perderia a cabeça com um jogo menos conseguido ou uma arbitragem mais infeliz.
O Sérgio, conhecendo as características distintivas do nosso clube, não ignorava o que nós portistas não dispensamos. Não aguentamos a derrota, mas o que não suportamos mesmo é ver uma equipa que não deixe tudo em campo. Ele sabia que se víssemos trabalho, competência, garra e alma nos teria ao lado da equipa dispostos a tudo. E assim foi, o mar azul não apareceu com os resultados, apareceu porque esta equipa tem aquilo que nós somos, aquilo que queremos sempre para o FC Porto. A equipa levou cinco no Dragão e saiu sob aplausos; perdemos em Belém (a derrota mais dura da época) e ninguém assobiou nem deixou de acreditar. O nosso treinador ganhou um jogador motivadíssimo fora do campo e ele bem sabe o que vale um portista motivado, quanto mais milhões.
Nós só sabemos o que vemos dentro do campo - e é assim que deve ser. Mas há sinais que não ignoramos. Um treinador de um grande é sobretudo gestor de recursos humanos, um condutor de homens, alguém que tem de ser um gestor de expectativas, de ambições, de frustrações, de entusiasmos. O sucesso de um treinador está dependente da sua capacidade de fazer com que o todo seja superior à soma das partes. E ninguém duvidará que a equipa do FC Porto deste ano era muito superior à soma das qualidades individuais do plantel.
Isto para lembrar os casos Casillas e Filipe e a importância da mensagem que foi passada, e que tanto nós como o plantel percebeu: não havia indiscutíveis e apenas o mérito e o trabalho contavam. Tenho poucas dúvidas de que o Casillas era o melhor guarda-redes do plantel e de que o Filipe era a melhor opção para o lugar, mas o treinador não hesitou em tirá-los da equipa. Ambos falharam - as razões foram diferentes - , saíram da equipa e o recado foi claro. Seriam melhores que os concorrentes para o lugar, mas o mais importante são os valores com que o grupo era gerido. Casillas e Filipe voltaram à equipa melhores que nunca.
Não vou ser exaustivo num tema que fui abordando durante toda a época, mas é preciso lembrar duas das extraordinárias qualidades do nosso treinador: a capacidade de potenciar as qualidades dos jogadores e de fazer um modelo de jogo adaptável às características dos rapazes.
Tentar fazer do Marega um tecnicista e um jogador de um futebol de posse seria como tentar fazer do Casillas um ponta de lança- o que faz sentido é aproveitar e potenciar as suas características e não fazer de alguém o que não é. Tentar fazer do Herrera um jogador de um futebol de posse seria mantê-lo como o patinho feio dos adeptos. Deixá-lo levar a bola e arrastar o jogo transformou o capitão no nosso Dumbo dourado e adorado. Explicar ao Sérgio Oliveira que sem intensidade e capacidade de sofrimento de nada serviria a sua excelente visão de jogo e a sua técnica parece evidente, mas nunca ninguém o tinha conseguido.
E, claro, o Sérgio até pode gostar daquela coisa enfadonha que alguns chamam futebol de posse, mas com o plantel que tinha se quisesse assim jogar estávamos agora a preparar-nos para a Liga Europa.
Há um rasgo que tenho de destacar porque penso ter sido decisivo: a forma como Sérgio Conceição reagiu à lesão do Danilo. Nem o Sérgio Oliveira nem o Herrera, nem nenhum outro jogador do plantel podia fazer o que o Danilo fazia. Em vez de procurar um substituto para o rapaz, mudou a forma do meio campo funcionar. O futebol vertical, feito de duelos individuais, intenso em todos os momentos do jogo manteve-se, mas a forma como a bola era movimentava no meio campo mudou - mais lançamentos e menos transporte.
Podia preencher esta edição a acrescentar mais qualidades e, ah pois, referir alguns defeitos do nosso treinador. Concluo, porém, com o maior elogio que posso fazer a um treinador: quero que ele fique no meu clube. Quero mesmo muito que ele fique no nosso clube. Há uns campeonatos, umas taças europeias para ganhar e, sobretudo, o futuro para preparar.
Para o ano no mesmo sítio, Sérgio.