O jogo da máxima responsabilidade

OPINIÃO20.03.202003:00

Um anónimo xadrezista

O xadrez sempre me fascinou. Porque deve ser o jogo da máxima responsabilidade individual. Porque não há jogadas sem consequências. Porque não há lugar para a boa sorte ou para a má fortuna. Porque o combate entre as 32 peças (16 de cada lado) ocorre num campo de batalha dividido por 64 quadrados, que é o espaço infinito da solidão de cada jogador. E a mais ninguém, absolutamente ninguém, se pode permitir qualquer interferência no desenlace daquela disputa. Só o destino, se existisse, poderia consegui-lo. Talvez.

Ainda eu não era nascido quando o genial realizador sueco Ingmar Bergman criou, sob a forma de filme, uma absoluta obra-prima intitulada Sétimo  Selo. No desenrolar da mesma somos confrontados com uma partida de xadrez desconcertante: um homem (Antonius Block) tem como adversário a própria Morte. E antes do duelo terminar, com o inescapável e irrecorrível fim ditado pela própria natureza das coisas, aquele homem, que poderia ser a Humanidade inteira, confessou-lhe o seguinte:     

«O vazio é um espelho. Eu vejo o meu rosto e sinto delírio e horror. A minha indiferença aos homens fechou-me totalmente. Eu vivo agora num mundo de fantasmas, um prisioneiro nos meus sonhos(...). Como acreditar nos que acreditam quando não acreditamos em nós próprios? A vida é um terror sem sentido. Nenhum homem pode viver com a Morte e saber que tudo é nada. (…)

Estamos a jogar xadrez. Este adimento vai permitir-me fazer uma tarefa vital. A minha vida inteira tem sido uma procura sem significado. Digo isto sem amargura ou auto-condenação. Eu sei que é o mesmo para todos. Mas eu quero usar o meu adiamento para uma acção com significado.»                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 

A Caixa de Pandora

Relata a mitologia clássica, pela pena de Hesíodo, que Zeus havia subtraído o fogo aos homens. O que, todavia, não impediu que um titã, de seu nome Prometeu, tenha usado a arte e o engenho adequados para enganar Zeus, roubando o fogo para o dar aos homens. Irado, o pai dos deuses vingou-se: não só puniu Prometeu, acorrentando-o no Cáucaso, como também mandou Hefesto criar uma bela mulher. Após a concepção desta, todos os deuses do Olimpo lhe concederam um dom. Daí que ela tivesse sido chamada Pandora (ou seja, aquela que recebeu todos os dons). Zeus ordenou então a Hermes que fosse entregar Pandora a Epimeteu (nome daquele que só vê depois), irmão de Prometeu (nome que designa aquele que vê por antecipação). Prometeu advertira uma vez o irmão para que nunca aceitasse um presente de Zeus.

Epimeteu, contudo, recebeu Pandora em sua casa. Mas também ele, por sua vez, fez uma advertência: ela não poderia, em nenhuma circunstância, destapar uma certa caixa coberta. Mas a natureza é o que é, e Pandora não resistiu à curiosidade. Assim, sucedeu que em certa ocasião, beneficiando da ausência de Epimeteu, Pandora resolveu mesmo abrir a caixa interdita. Logo todos os males saíram de dentro dela, precipitando-se sobre os homens. Pandora fechou de imediato a caixa, dessa sorte encarcerando lá bem no fundo desta a única coisa que dela não havia chegado a sair: a esperança!