O inadaptado Varandas
O Benfica nem precisou de encantar os deuses para construir uma vitória inesperada, mas absolutamente justificada em função do filme de um jogo quase de sentido único a partir do minuto 40, quando Rafa inaugurou o marcador na sequência de um lance que denunciou a completa inutilidade da alteração tática introduzida por Marcel Keizer, ao acrescentar um central no modelo utilizado durante os jogos de preparação.
A simples alteração foi um sinal de fraqueza, de receio pelo potencial futebolístico do adversário, com reflexos imediatos no estado de espírito dos jogadores leoninos, naturalmente condicionados por uma opção técnica temerosa e dispensável. Argumenta o treinador leonino que jogou dessa forma com o Benfica, em Alvalade, e ganhou por 1-0, o que, podendo corresponder à verdade, apenas envolve uma parte da história, porque a outra tem a ver com a vacilante abordagem do colega Lage, o qual não resistiu à tentação de segurar a vantagem da primeira mão, na Luz, e ao fazê-lo, é dos livros, mesmo sem querer, distorceu a personalidade da águia, impondo-lhe contenção e retirando-lhe irreverência. A equipa ficou expectante, prisioneira do tempo e deixou escapar o controlo do jogo: a um quarto de hora do fim, Bruno Fernandes apontou um golo de se lhe tirar o chapéu e afastou os encarnados da Taça de Portugal.
Este exemplo trazido à colação, significa que Keizer tropeçou num equívoco comprometedor, prova de que não extraiu todas as conclusões desse dérbi de abril. Nem sequer levou em conta a provocação que Lage lhe lançou na projeção desta Supertaça. Foi anjinho, ao cometer fatal erro de avaliação: se resultou uma vez poderia resultar duas, não se tivesse dado o caso, porém, de o seu oponente ser bom aluno, ter o desejo de aprender depressa e de não repetir atos falhados. Na altura, Lage tinha três meses de treinador principal. Agora, tem oito, incluindo férias. Ainda é um menino. Mas esperto.
As noites de fim de semana em A BOLA TV costumam ser animadas, principalmente, quando Vítor Manuel, o meu companheiro de bancada, mister de infinda experiência e firmes convicções, já leva mais de 500 jogos a estudar as manhas dos seus e dos outros, faz valer o estatuto de notável. Eu defendo-me como posso, com o saber que longa carreira jornalística me concede.
No sábado, divergimos nas equipas prováveis, em pormenores, apenas, mas Vítor destacou a possibilidade de Keizer apostar, como apostou, em três centrais (quem sabe, sabe!). No domingo, com as emoções do jogo muito presentes, o debate agitou-se, por não haver convergência em relação ao peso do desempenho leonino. Quanto a ele, relevante até ao minuto 60, em que se deu a tal quebra emocional motivada pelos dois golos benfiquistas no espaço de três minutos. Quanto a mim, de moderado significado e de menos tempo de vida. Primeiro, por, em rigor, apenas registar uma oportunidade flagrante de golo desaproveitada por Bruno Fernandes (37 m). No resto, com zero-zero, vi uma trapalhada de Ferro e outra situação normal do capitão do Sporting anulada por boa intervenção de Vlachodimos.
Creio que o treinador holandês não se teria importado de arrastar o jogo para os penáltis mas viu a sua linha de raciocínio contrariada quando sofreu o primeiro golo, à beira do intervalo. Não sei do que se falou nas cabinas, mas sei, todos sabemos, que o período de descanso foi bom conselheiro para os jogadores do Benfica e uma desgraça para os do Sporting. Estes falaram do jogo? Naturalmente que sim, o problema é que talvez, por essa altura, já poucos acreditassem ser possível desmentir uma evidência que a tendência do jogo acentuava: a superior capacidade global do Benfica.
Os treinadores foram fantásticos e deram uma lição de fair play para memória futura. Os jogadores foram inexcedíveis, em profissionalismo e companheirismo.
Tudo correu bem: o abraço respeitoso entre Pizzi e Bruno Fernandes, o cumprimento de Paulinho Gama a Bruno Lage, que mereceu palmas nas bancadas, o conforto de Florentino a Thierry Correia, a declaração de Grimaldo, que considerou o resultado «avultado», a elevação de Luís Filipe Vieira, que colocou o Sporting na rota do título e achou que o cinco-zero não reflete a diferença entre as duas equipas.
Mais: os lugares preenchidos por famílias e adeptos dos dois emblemas em coabitação feliz, a organização cuidada com a assinatura de qualidade de FPF e a tribuna com a nobreza adequada à importância do evento.
Há quatro anos, quando os eternos rivais se defrontaram para discutir outra Supertaça, o brinde calhou ao Sporting e a fava ao Benfica. Agora, aconteceu o contrário. É normal. Jogou-se futebol. Discutiu-se futebol. Houve festa. Só Frederico Varandas não entende: inábil na comunicação, imprudente nas palavras, inadaptado no meio. Um hospital é um hospital, um quartel é um quartel e um estádio de futebol é um estádio de futebol, mas a escolha foi dele.