O Gorjão, agora
DE maus fígados, ele poderia ser apenas uma «excrescência sebácea» mas não: ao Gorjão Saragoça, o Eça fê-lo pior: quando, por exemplo, a cólera ou o frenesim o levavam a um café quem lá estava baixava-se palidamente para a folha do jornal ou para o cálice de genebra temendo que dele se soltasse, alucinado, o soco (ou mais) - e, por isso, o Gorjão aparece no Conde de Abranhos, resumido numa frase assim:
- A sua biografia era uma legenda pavorosa de queixos esmigalhados, tremendos heroísmos de pulso…
Com o passar dos anos, o Gorjão brutalizou-se mais. Saltitou dos cafés para os estádios - desmultiplicando-se por vários corpos (de cabeça oca e coração imbecil), fazendo coio nas suas bancadas, encabritando-se, por lá, como centopeia armada de ruídos e confusões, grilharias e idiotismos. Por vezes, mais atroz, atira-se, atochado da sua selvajaria, para fora dos campos. Não, não sei se desta última vez a polícia já o identificou, mas sei: foi o Gorjão (desmultiplicado agora em vários corpos de cabeça oca e coração imbecil) quem atirou de mão vândala o pedregulho ao autocarro do Benfica, quem pichou de mão cretina as paredes das casas de Bruno Lage, de Pizzi, de Rafa.
Lá, no Eça, quando o Gorjão se finou, ao Z. Zagalo (o apologista tolo do conde de Abranhos) apanhou-se-lhe, num clamor arrebatado, o traço frívolo:
- Ainda bem que te matou providencial catarro de bexiga: já posso impunemente e com regozijo, escarrar-te sobre a sepultura - já que o ter-te escarrado na face ter-me-ia sido impossível, por ser como sou, de constituição delicada…
Vendo agora esse Zagalo por palavras em dor (eu que já o vira antes em atos e omissões) pensei: não basta reação assim ou esperar, cobarde, pela morte natural do Gorjão - é preciso dizimá-lo (já, de vez). Pois, espalhado por corjas e ralés, se esse Gorjão (desmultiplicado em vários corpos de cabeça oca e coração imbecil) não for exterminado do futebol - é o futebol que se vai enterrando vivo, a si próprio, em mausoléus sem cruzes.