O golpismo
Esta assembleia não passa de uma manobra necessitada de ‘cobertura legal’ e com um fim, que é o de ir corroendo os alicerces do edifício benfiquista até abanar
Q UANDO foi comunicado que as últimas eleições do Benfica, em outubro de 2020 e que deram vitória expressiva a Luís Filipe Vieira, foram as mais participadas de sempre na história do clube, houve quem tivesse aventado que ficou a dever-se à presença de Noronha Lopes, na altura apresentado como um candidato forte e mobilizador.
Na minha opinião, essa justificação não colou. Considero que os associados benfiquistas acorreram aos locais de voto em número impressionante, refletindo a grandeza do clube, precisamente por não acreditarem em salvadores produzidos em modernas máquinas de ilusionismo, de onde saem soluções para todos os gostos e conveniências.
Penso estar certo, tal como o resultado eleitoral revelou: 62,59 por cento de sócios votaram na continuidade, convictos ou, na dúvida, prudentes, preferindo a estabilidade à incerteza.
Vieira percebeu que continuava a merecer a confiança da família da águia, embora desagradada por algumas situações correrem mal há tempo demasiado, nomeadamente no que se refere ao futebol profissional.
NORONHA LOPES, com quem nunca falei, mas como pessoa sensata e inteligente que mostrou ser, aceitou a derrota e felicitou o candidato vencedor, sublinhando, no entanto, que, mesmo com o atual presidente, «não será como dantes» e que, com essa mudança, será o clube que ganhará, dando a entender, presumi, não ser homem para desistir ao primeiro embate.
A verdade é que saiu de cena, passando as despesas de representação para um movimento Servir o Benfica, o mesmo que apadrinhou a candidatura de Francisco Benitez, anunciada no início de agosto do ano passado, em Belém, na rua dos pastéis, mas retirada em outubro, em vésperas de eleições, a favor, precisamente, de Noronha Lopes, o qual ofereceu a Benitez o lugar de presidente da mesa da assembleia geral na sua lista e este, agradecido, não só aceitou como apelou ao outro candidato, Rui Gomes da Silva, para se tornar «um dos mais importantes apoiantes da candidatura de João Noronha Lopes» porque «urge terminar com o ciclo de dezassete anos de Luís Filipe Vieira».
Rui Gomes da Silva foi até ao fim com o seu programa eleitoral, acabando por ser penalizado nas urnas pela sua independência.
Entretanto, o Servir o Benfica, seja o que for, foi-se adaptando às circunstâncias e transformou-se em foco de agitação interna permanente em nome de um conjunto de propostas vendidas a Noronha Lopes e que ficaram a marinar, entre elas a revisão estatutária até ao final de 2021.
Opresidente do Benfica sabe que o seu lugar é muito apetecível, porque está tudo quase feito. Sabe toda a gente, aliás. Portanto, insisto, se existe verdadeiramente uma oposição que quer ser alternativa credível, que avance, que se mostre, que haja rostos e que discuta o estado de saúde da águia nos locais próprios, com urbanidade, e não em gritarias no espaço público, como se tem registado.
Em maio, Noronha Lopes voltou a dar sinal de vida, com uma entrevista ao Record, e logo a seguir, já este mês, um advogado bem sucedido, residente nos Estados Unidos, informou ter recorrido aos tribunais para, entre outras coisas, «libertar o Benfica de Luís Filipe Vieira».
O caso teria suscitado fraca ondulação mediática, não se desse a coincidência de o referido advogado ser familiar de Noronha Lopes e de este, com espantosa celeridade, se ter distanciado, por não ser o caminho que preconiza para resolver «os temas do presente e do futuro» do clube.
Aplaudo a sua posição, na qual acredito, mas ele deve entender também qual o ambiente está a ficar deplorável e à beira de ultrapassar os limites da decência. Lamentavelmente, existe o perigo pela tentação do golpismo, de que a propalada assembleia extraordinária que terá conduzido à demissão do prof. Rui Pereira, figura de enorme prestígio e sem paciência, provavelmente, para aturar estes jogos florais, é exemplo suficiente do que se pretende através da pressão exercida de fora para dentro, no sentido de perturbar o normal quotidiano do clube.
P ROPOR a alteração do regulamento eleitoral é normal, apesar de as próximas eleições se realizarem daqui a três anos, mas o que se pretende no resto é um convite à desavença, à suspeição e à discórdia. Ou seja, esta assembleia extraordinária faz pouco sentido, não passa de uma manobra necessitada de cobertura legal e com um fim em vista, que é o de ir corroendo os alicerces do edifício benfiquista até abanar. Ademais, basta reparar na péssima imagem que tem sido dada da instituição devido às concentrações de rua, aos buzinões, aos cartazes com ofensas e calúnias. É o vale tudo…
O grande problema de Vieira, neste momento, é o futebol, com a míngua de vitórias e conquistas. Basta a situação melhorar e os movimentos agitadores vão ter de pregar noutra freguesia porque não apontam rumos, apenas espelham o oportunismo eleitoral.
Noronha Lopes não deve rever-se nesta infeliz barafunda. Com a sua rica experiência empresarial sabe que a arma mais eficaz reside na força da palavra, no debate, na discussão de ideias, na confiança. É a via recomendada para ser acolhido pela família encarnada como alternativa séria e de futuro, um processo de afirmação que demora, mas só em 2024 haverá novas eleições, com tempo para se preparar bem, se for essa a sua intenção.