O golo 700 em casa
PORTUGAL recebe em Alvalade o Luxemburgo de olhos postos no apuramento direto para o Europeu de 2020 - será o sétimo consecutivo desde 1996 - e há um jogador com motivos muito especiais para fazer deste jogo uma festa. Trata-se do capitão da Seleção, Cristiano Ronaldo, que está a dois golos de se tornar o primeiro português e o sexto futebolista da história a alcançar os 700 golos em jogos competitivos (ou oficiais, se preferirem). É claro que Ronaldo pode perfeitamente fazer dois golos ao Luxemburgo - lembre-se que ele vem de fazer um poker à Lituânia -e, se assim for, o capitão festejará em casa -no seu país, perante os seus adeptos, no estádio onde começou a forjar o seu fabuloso destino - a proeza de que só cinco lendas do futebol, se podem orgulhar: Pelé, Bican, Romário, Muller e Puskas.
Sete centenas, senhores! É uma quantidade industrial de golos.
Alvalade não tem sido privilegiado com jogos da Seleção. O último foi com um particular com a França em setembro de 2015 (0-1); e o último jogo oficial - 1-1 com Israel - remonta a outubro de 2013. Mas desta vez apetece dizer que o palco não podia ter sido melhor escolhido. Foi no antigo estádio de Alvalade, fez anteontem 17 anos (7 outubro de 2002), que Cristiano Ronaldo marcou o seu primeiro golo oficial na equipa principal do Sporting (um bis ao Moreirense, 6.ª jornada); e foi em Alvalade, na noite da inauguração do novo estádio (7 agosto de 2003), que Cristiano começou a forjar o seu fabuloso destino com uma exibição eletrizante perante o Manchester United de Sir Alex Ferguson. Que terá decidido no final dessa noite que aquele garoto insolente, já referenciado pelos olheiros do United, tinha absolutamente de seguir para Old Trafford.
Talvez se faça história depois de amanhã. Se assim for, o guarda-redes do Luxemburgo, Anthony Moris (belga naturalizado luxemburguês) ficará com toda a certeza na carreira de Cristiano. Como ficou o guarda redes brasileiro Roberto Tigrão (Moreirense), que sofreu dois golos de Ronaldo (34’e 90+4’) no tal jogo que aludimos. O primeiro na sequência de um slalom espetacular do miúdo madeirense de 17 anos concluído com um remate seco e indefensável de pé direito. O segundo num cabeceamento no segundo andar após canto marcado por Rui Jorge - nesse jogo o Sporting, que era campeão, alinhou com um tridente ofensivo formado por Quaresma, Jardel e Ronaldo. Nada mau.
17 anos e 698 golos depois (605 pelos clubes, 93 pela seleção), Ronaldo continua on fire na Seleção onde, aliás, atravessa o período mais produtivo da sua carreira. Veja-se que até aos 30 anos Cristiano fez 52 golos em 118 jogos por Portugal. Depois dos 30 anos, soma 41 golos em 42 jogos (com Fernando Santos: 43 golos em 47 jogos). Ou seja, tem realmente possibilidade de suplantar o recorde mundial de Ali Daei (109 golos com o Irão) e o Luxemburgo poderá ser mais uma vitima dessa ambição.
Se depois de amanhã Ronaldo gritar o 700, espero que o faça sob o olhar de mestre formador Aurélio Pereira, uma das figuras maiores do futebol português. Já escrevi aqui uma vez que Cristiano tem vários progenitores, cada qual com méritos específicos em momentos diferentes da sua carreira, sendo que o Sporting será sempre o ponto de partida, o formador, e Aurélio Pereira o oleiro que moldou o barro. Podem e devem os sportinguistas reclamar essa paternidade com mais que justificado orgulho - caramba, estamos a falar do maior desportista português de sempre!
Mas sendo Cristiano um produto elaborado pelo Sporting, aperfeiçoado pelo Manchester United e concluído pelo Real Madrid, nunca se esqueça que ele é também, e sobretudo, um produto construído por ele próprio - pelo seu omnipresente caráter de vencedor, pela sua ânsia de superação, pela sua férrea determinação de ganhar, de cortar a meta em primeiro.