O futebol já andava doente…mas com o Covid-19 piorou
Eu sei que devia estar agradecido aos diversos poderes, incluindo o divino, por ainda poder ver pela televisão uns jogos de futebol. A época do confinamento já foi demasiado grande para que tivesse percebido que, tanto tempo sem jogos nos transtorna e transforma. Não necessariamente para melhor.
Farto-me de ouvir amigos (tenho-os em todas as agremiações, nomeadamente nas maiores) dizer que nunca mais ligam ao futebol, na verdade acho que eu próprio já o afirmei solenemente algumas vezes. O teste da pandemia, porém, revelou que essas intenções não passam disso mesmo: intenções! Somos dependentes daquele magnífico jogo que combina estratégia, força, querer, humildade, talento, equipa, individualidade e tantas outras coisas mais. Não vivemos sem ele. E agora, que o passámos a ter apenas virtualmente, no ecrã de televisores que mostram estádios desoladamente vazios, como se uma destruição em massa dos seres humanos tivesse acabado com os adeptos, sentimos que esta doença é tão má, ou pior, do que a maleita do costume (corrupção, golpes, compadrios e outras desventuras) que nos fazia prometer não voltar aos estádios. Esta doença não só não curou a primeira, como a ela se juntou para, num manto de opacidade, criar regras e formas de estar muito duvidosas. Podem fazer sentido, tendo em conta a pandemia. Mas nunca o farão, se olharmos para o jogo e as suas competições.
Ainda terça-feira o Benfica (e dou este exemplo porque é o mais próximo) se viu obrigado a jogar uma final numa pré-eliminatória para o acesso à Liga dos Campeões. Não perdeu por isso, mas é injusto que, mesmo com o estádio vazio, tenha de jogar na casa do adversário. Ao ter perdido por 2-1, e sem desculpar o mau jogo que fez, tinha um resultado perfeitamente recuperável na Luz, com mais 90 minutos. Não teve hipótese e caiu para a Liga Europa. Seria hipócrita se não compreendesse o sentimento que os benfiquistas têm de injustiça; como seria hipócrita se não deixasse claro que, do meu ponto de vista pessoal, a derrota do Benfica nada me afeta. Nisso, sou clarinho como o André Villas Boas.
Violinos com Covid
Já o facto de o torneio dos Cinco Violinos não se ter disputado no domingo me afetou, e muito. Ando com uma fezada neste Sporting de Rúben Amorim onde jogam bastantes miúdos. Não que ache que vá ganhar o campeonato ou conseguir grandes feitos, apenas que irá jogar com um querer e uma vontade que, às vezes, move montanhas. Fiquei, de facto, triste por não poder ver (pela televisão, claro) o meu clube defrontar uma equipa (Nápoles) que tem passado e presente a um nível de exigência que nenhuma dos outras formações, com que o Sporting preparou a época, tinha.
E daqui vem a outra grande incerteza. O que fazer quando há um conjunto de infetados? No jogo Feirense-Chaves, da Liga 2, quatro casos positivos, dois da equipa técnica e dois jogadores, chegaram para que o jogo fosse adiado quase em cima da hora de começar. Não me parece o melhor método, tanto mais que os casos positivos foram de imediato afastados. Mas admito que haja motivos científicos e médicos suficientes para se proceder dessa maneira. O problema é que, sendo assim, quando se saberá que um jogo se realiza? Por exemplo, o Sporting-Gil Vicente, marcado para sábado, às 18.30 horas? Sabe-se que o Gil tinha mais de uma dúzia de infetados incluindo o seu treinador, ao passo que o Sporting já ia em oito ou nove, sem contar com Rúben Amorim… Será que há jogo? Quem decide? Quem se responsabiliza? Os jogadores e equipas técnicas terão de fazer testes duas vezes por dia e quatro nos dias de jogo? Ou terão de se refugiar em estágio permanente de modo a não serem contagiados pelo mundo? Esta, aliás, parece ter sido a reação dos dirigentes do Sporting, que colocaram toda a gente na Quinta do Lago, no Algarve. Mas se uma equipa - e só uma - não puder jogar, quando a outra recorreu a todas as medidas necessárias para evitar o contágio, ainda assim a partida ficará adiada?
Confesso que tudo isto é tão novo como estranho. Não se podem aplicar regras antigas, que consideramos normais, a uma situação nova e anormal. Sendo que o antigo normal seria ditar a derrota por falta de comparência às equipas que não pudessem jogar com um mínimo de jogadores, hoje tal seria injusto.
Acresce que não se sabe o que ocorrerá caso algo, não tão improvável, acontecer: se o campeonato não puder terminar. Voltamos a torpedear os calendários? Ou fazemos como nalgumas paragens e ganha quem, na altura da interrupção, for à frente? Não devia estar definido?
Os despejos das claques
A decisão da Direção do Sporting em despejar das suas instalações as claques Juventude Leonina e Directivo XXI não é uma surpresa. Pode discutir-se o tempo em que é feito - um tempo em que as claques não servem para quase nada - mas não a justeza de o fazer: se estas claques contribuíram com algo de bom, por certo que foram elementos de constante desestabilização do clube.
Nasce a questão jurídica de saber-se se as instalações que têm no próprio estádio são das claques (como estas argumentam) ou do Sporting. Porém, sinceramente, não vislumbro como possam ser de outrem que não o Sporting, ou alguma das suas empresas, sem que uma AG o tenha deliberado. Parece-me, pois, que os comunicados das duas claques são apenas conversa para empatar uma decisão. Que já devia ter sido tomada há mais tempo, do meu modesto ponto de vista.
Na semana que vem (sexta-feira) terá lugar uma AG do Sporting. A questão do I-Voting não se vai colocar (e ainda bem, pois existem dúvidas sobre o assunto), pelo que se trata apenas de votar o Orçamento. Espero que corra tudo com a elevação que o Sporting merece e não como algumas AGs, mesmo menos importantes, em que pequenos grupos de associados impediam o normal funcionamento da assembleia magna. Aliás, a pandemia acaba por estabelecer como inevitável algo que já ocorria. A possibilidade de ir à AG apenas para votar, sem ter de ficar à espera de inúmeras intervenções das quais, a maioria, não passava de insultos e de bravatas.
Se o Covid-19 não serve o desporto, que sirva ao menos para os clubes conseguirem olhar para eles próprios. Bem precisam, nomeadamente o Sporting, clube que se caracterizava por ter uma minoria ruidosa que apenas contribuía para a confusão. No estádio e fora dele.