O futebol e a nova procuradora-geral

OPINIÃO22.09.201801:25

Sem os tradicionais dramas existenciais e sem contemplações pelas pressões políticas e mediáticas existentes, o Presidente da República nomeou, sob proposta do governo, uma nova procuradora-geral da República. Lucília Gago irá, assim, render Joana Marques Vidal na PGR, numa linha de sucessão que procura manter o perfil da escolha e consagrar o prestígio do Ministério Público.


Não nos atreveremos, evidentemente, à análise política que tem mostrado demasiados exemplos jornalísticos, que vão da desfaçatez de uns quantos à clarividência de outros. Interessa-nos, apenas, discorrer sobre eventuais consequências desta escolha nos domínios jurídicos que marcam um novo tempo e uma nova vida, só por enquanto muito inquieta e insegura, no futebol em Portugal.

Com Joana Marques Vidal, é verdade que se criou uma perspetiva de independência e de transversalidade da justiça. Daí que os mais diversos poderes tivessem sido postos em causa e tivessem sido atacados nas suas raízes mais podres. Desde os poderes políticos, aos financeiros, passando pelos desportivos. Surgiram, assim, notícias de sucessivos processos que a todos transmitiram uma sensação de verdadeiro interesse na luta contra a corrupção, mesmo quando se tratava da corrupção mais funda, mais complexa e exercida por gente muito poderosa.
Interessa-nos, aqui, em particular, a questão desportiva e, dentro desta área, o mundo por vezes obscuro e pouco transparente do futebol profissional.

Aqui chegados, há que afirmar, com toda a firmeza e convicção, que se espera e se deseja a clarificação rápida e total dos casos já existentes, o seu julgamento em sede própria e não na praça pública, e, obviamente, o esforço e a competência conjugados para uma justiça universal.
Julgo que o comboio já não volta atrás, tal como espero que a escolha do governo e a nomeação do Presidente possam rapidamente provar os seus méritos, numa previsível continuidade de ação da nova procuradora-geral.

Bem sei que muitos adeptos do futebol e, em especial, adeptos de clubes, receiam que a justiça venha a destapar a caixa de Pandora e que de todos estes processos se puxe o fio de uma meada que não será fácil destrançar, mas que poderá tornar visível um emaranhado de negócios escuros, de esquemas indecorosos, de aliciamentos indecentes. E temem, ainda, esses tais adeptos, que tudo isto leve a uma queda, com estrondo e com dor, do sistema em que, desde há muitos anos, assenta o poder desportivo dos principais clubes do futebol português e dos seus maiores dirigentes.

Eu não temo nada. Julgo, sinceramente, que podemos estar no início de uma revolução do sistema e de uma nova era que será, evidentemente, geracional, mas que nunca aconteceria sem uma intervenção musculada do sistema judiciário, que esteve demasiados anos, não apenas pouco preocupado com o que por aí se ia passando em matéria de futebol, como invisível, acabando, por isso, por incentivar as práticas ilícitas, talvez, até, criminosas.

Acredito, realmente, mesmo que me achem ingénuo, que vem aí um novo futebol em Portugal e que mesmo aqueles que, de tão eufóricos com o momento e com a incomodidade evidente do arguido atual, se esqueceram da dimensão do mal que os seus próprios clubes também causaram em passados mais ou menos recentes, irão acabar por se confrontar com a dolorosa revelação de que o poder do futebol português não mais acontecerá pela sucessão natural e ilegítima de um qualquer gangue que apenas de forma irritantemente desesperada se poderia considerar e chamar de desportivo.