O fosso!...
Em qualquer dicionário de língua portuguesa se pode ver que fosso é um substantivo masculino que significa cova, vala. Era uma palavra muito utilizada na linguagem militar, significando uma escavação profunda destinada a dificultar ou mesmo impedir o acesso do agressor à linha de defesa de uma fortificação, mas que, nos dias de hoje, julgo não ter aplicação prática.
A palavra aparece associada também a orquestra e a olímpico. Fosso da orquestra é a área de um teatro em que os músicos também intervêm e que se situa normalmente entre o público e o palco; fosso olímpico é uma disciplina do tiro desportivo.
Actualmente, a palavra usa-se muito no seu significado figurado para traduzir uma separação, uma grande distância metafórica entre pessoas ou coisas ou ainda uma grande desigualdade. É normal dizer-se a propósito de duas pessoas que se separam que entre eles se criou ou formou um fosso. Como é vulgar dizer-se, na nossa sociedade, que existe um fosso cada vez maior entre ricos e pobres, o que infelizmente é verdade!
Hoje em dia, fala-se muito também em fosso digital, isto é, «um termo amplo que se refere a todo o tipo de limitação ao acesso às novas tecnologias de comunicação e informação (internet, computadores, smartphones etc.), seja por limitações financeiras, intelectuais ou sociais».
Para os sportinguistas, curiosamente, a distância que há muitos anos existe entre sócios e adeptos e o relvado do Estádio José de Alvalade também tem sido motivo de reflexão, mais ou menos séria. Existia realmente um fosso, no estádio antigo, que não tinha tradução material numa cova ou numa vala, mas numa pista de ciclismo e atletismo, e depois só nesta. No novo estádio, o fosso é mesmo fosso, tem sido muito criticado e o seu desaparecimento muitas vezes objecto de promessas em campanhas eleitorais.
Com intervenção e interesse directo já participei em três campanhas eleitorais, e em nenhuma delas tive como centro das minhas preocupações o fosso do Estádio José de Alvalade. O fosso que realmente me tem preocupado, e cada vez mais me preocupa, à mistura com alguma revolta interior, calada em nome do remar para o mesmo lado, ainda que seja disparate e o timoneiro não saiba o rumo, é a distância cada vez maior que nos separa dos nossos rivais nacionais e internacionais.
Ninguém - a não ser as pessoas de má fé ou irresponsáveis - me pode acusar de aproveitamento do resultado de domingo passado. Na verdade, escrevi várias vezes, mesmo após os triunfos da época passada, que a euforia e alegria da vitória nos não devia embriagar o espírito, mantendo os pés assentes no chão e reconhecendo que a distância para os nossos rivais internos não encurtou, antes pelo contrário! O resultado de domingo passado foi sentido como uma humilhação, mas ele só será verdadeiramente humilhante se não tivermos a humildade e a coragem de ponderar que o fosso não são os 5-0, mas a diferença entre um projecto e a gestão do imediato!
Quando digo que o meu tempo acabou, apenas quero significar que não tenho ambições para funções executivas visando o imediato. Não me peçam, contudo, que me conforme com o que vou vendo e ouvido, que desista da continuação do projecto do Visconde de Alvalade, a quem tantos já deram muito para honra e glória do Sporting Clube de Portugal, que há pouco completou cento e treze anos.
Não, não me peçam que reme para o lado dos que estão apenas chateados. Não, não me peçam que reme para o mesmo lado dos que dizem não estar preocupados, porque quando não estão preocupados com a realidade, mais eu me preocupo. Não, não me peçam que eu reme para o lado dos que perante uma derrota copiosa, ainda que não merecida nos números, entendem que o que é importante é mostrar o que se fez nas últimas cinco semanas de trabalho. Não, não me peçam que eu não me preocupe em nome não sei bem de quê, porque não é aí que está o problema. Não, não me peçam que me galvanize com tão pouca ambição. Não, não me peçam que eu quando ganho ao Benfica valorize a Supertaça e reivindique mais um título e não lhe dê importância quando perco com o mesmo clube e logo por cinco a zero. Não, não peçam que eu aceite com naturalidade as derrotas do meu clube e não me bata por um projecto que me leve à Europa dos grandes. Não, não me peçam que eu esteja ao lado de quem pensa pequeno. Não, não me peçam nada disso, porque não foi para remar para esse lado, o legado do Visconde de Alvalade, não foi essa a sua mensagem. Se querem desistir desse clube, e o querem manter para cá de Badajoz, não me peçam que eu reme para trás, depois de tantos anos a tentar remar para a frente!
E para mim, remar para a frente, sem mais demoras, não é conformar-me com uns cinco a zero do nosso maior rival, mas demonstrar certezas e ambição com os Brunos Fernandes desta vida. Remar para a frente é diminuir o fosso da realidade europeia que não vai esperar o tempo todo, num momento decisivo do futebol. Remar para frente é já assumir um novo modelo, porque assumir que sem investimento se alcança o sucesso desportivo é assumir um erro histórico que não terá retorno. Viver neste círculo vicioso de não haver sucesso desportivo porque não há dinheiro e não haver dinheiro porque não há sucesso desportivo não pode ser o rumo do Sporting, porque isso é andar aos baldões.
Não, não me peçam que eu hoje cale a revolta, não lance um alerta, que é também um grito de rebelião contra o conformismo: não estou chateado com os cinco a zero, estou é preocupado e muito preocupado, porque o fosso de Badajoz está a chegar à ... 2ª Circular!...