O estrondo!
Não é obviamente comparável na substância ou nas consequências, mas é objetivamente comparável no impacto e no mediatismo: 25 anos depois do célebre caso-Bosman, transformado em lei que revolucionou por completo o futebol europeu e foi, à época, verdadeira bomba no mercado de jogadores da União Europeia , eis que um dos maiores jogadores da história decide, por correio, pôr fim a uma das mais duradouras relações de que há memória no mundo de futebol. Um estrondo!
Leo Messi chegou a Barcelona, recordo, em setembro de 2000, com apenas 13 anos de idade, e tornou-se nestes (quase, quase) 20 anos parte do clube, e parte até da própria cidade, parte quase tão simbólica como a Sagrada Família, o Parque Guell ou o Bairro Gótico, como ainda ontem se podia ler no diário argentino Olé, que não deixava de refletir o estado de choque em que ficou a Argentina, em particular, mas inevitavelmente todo o mundo do futebol, com este anúncio que jamais se poderia esperar da forma como acabou por acontecer.
É verdade que já levavam algum tempo os sussurros de que Leo Messi poderia, um dia destes, trocar a sagrada família que o acolheu como filho pródigo, por uma aventura noutro futebol, e, incontornavelmente, sempre se apontava o Manchester City de Guardiola como um dos mais prováveis destinos.
Ou seja, ainda que muito já se especulasse que o astro argentino estaria cada vez menos satisfeito com a situação do Barcelona, quem podia esperar que batesse com a porta com este estrondo, mesmo considerando o estrondo do 8-2 com que o Bayern, coroado campeão europeu, despachou, em Lisboa, a equipa catalã, nos quartos de final da Champions?!
Na verdade, nunca ninguém supôs - creio mesmo que não passaria pela cabeça do mais avisado - ver Leo Messi pedir ao corpo jurídico que o acompanha que enviasse para os escritórios do Barcelona o documento pedindo rescisão de contrato, servindo-se de um misterioso burofax, que é, nem mais nem menos, afinal de contas, do que um serviço disponível em Espanha - como em Portugal existe a carta registada com aviso de receção - que permite o envio de documentos urgentes - no prazo de 24 horas -, com a certificação de uma terceira parte, juridicamente comprovando a veracidade do documento enviado - comprovação essa feita, normalmente, pelos próprios serviços postais.
Nesse documento, Messi terá alegadamente comunicado intenção de romper o contrato… a custo zero. Nova bomba explodindo à escala mundial, com consequências ainda absolutamente imprevisíveis e com o futebol a preparar-se já para uma das maiores e mais intensas batalhas jurídicas de sempre.
Messi não mais vestirá a camisola blaugrana, a única que conheceu enquanto profissional, e nenhuma dúvida, também, que jogará noutra equipa já a partir de setembro, seja no City, do amigo Aguero e do mentor Guardiola, com quem passou, em Barcelona, seguramente os melhores anos da vida de futebolista, seja no Inter de Milão, que, sobretudo nas redes sociais, alguns apontam como destino muito possível, pelo desafio que seria o futebol italiano, e também, por que não?, pela possibilidade de reacender o estimulante duelo com Cristiano Ronaldo.
Aos tribunais caberá decidir, no seu tempo, se o Barcelona terá ou não direito a ser indemnizado.
Brutal fim de relação dourada entre o Barcelona que fez de Messi o jogador mais bem pago do mundo e um dos mais admirados astros de sempre, e o Messi que fez do Barcelona de Guardiola, Xavi, Iniesta… a melhor equipa da história.
Um divórcio que poderá custar aos catalães um prejuízo mínimo de 700 milhões de euros.
Confesso-me, porém, confuso por ter, como muitos, ficado a saber agora que na última renovação, Leo Messi conseguiu incluir cláusula no contrato que, pelos vistos, lhe permitiria sempre, exercendo-a até 10 de junho de cada ano, deixar o Barcelona a custo zero. Pergunto: se assim é, faz algum sentido que Messi tenha, ao mesmo tempo, cláusula de rescisão com o Barcelona no valor de 700 milhões de euros?
Não deixa de ser curioso que Messi se tenha oficialmente estreado na equipa principal do Barcelona com um treinador holandês (Frank Rijkaard) e com um treinador holandês (Ronald Koeman) tenha decidido bater com a porta. Entre a estreia oficial em competição com um e a chegada de outro passaram quase 16 anos e uma só camisola.
Entre um e outro, Messi fez-se homem e teve três filhos. No campo, deslumbrou e ganhou seis Bolas de Ouro, quatro Ligas dos Campeões, três Mundiais de Clubes, dez ligas espanholas, 34 títulos no total; passaram, entre um e outro, 634 golos (melhor marcador da história do Barcelona), 513 vitórias, 80 recordes do Guinness… e oito treinadores.
A história de Messi no Barcelona é, realmente, a história de um rapaz que mudou a história e se fez muito mais do que um jogador de futebol, como agora escrevem os nossos companheiros argentinos.
Messi deixa o Barcelona, é absolutamente uma notícia para a história. Foi na terça-feira, e no Google Messi foi, a nível mundial, termo mais procurado do que pandemia.
Isso diz tudo!
FORAM muitos os laterais que já neste século muito impressionaram o mundo do futebol e o marcaram profundamente. Estou a recordar-me, por exemplo, dos brasileiros Cafú, Roberto Carlos, Maicon ou Dani Alves, do francês Lilian Thuram, do argentino Javier Zanetti, até do colosso italiano Paolo Maldini, que andou pela lateral esquerda antes de se tornar defesa central, ou da mais recente descoberta do Liverpool, o jovem muitíssimo talentoso Alexander-Arnold, ou dos alemães Philip Lahm e Joshua Kimmich - e Kimmich é tão bom, tão bom, que na seleção alemã deixa a lateral-direita que ocupa no Bayern para se assumir como um dos cérebros no meio-campo da equipa.
A lista ainda contempla, ainda outros nomes, já para não falar de laterais famosos que muito ajudaram a escrever a história do futebol, como os lendários brasileiros Djalma e Nilton Santos, mais o inesquecível capitão da canarinha de 70, Carlos Alberto Torres, ou mesmo Júnior, ainda os alemães Berti Vogts e Paul Breitner, o holandês Wim Suurbier, contemporâneo de Cruyff e presente em todas as grandes proezas do futebol holandês até quase ao final da década de 70, ou o inglês Phil Neal, um dos monstros do grande Liverpool entre 1974 e 1985.
O lateral, como se vê, sempre deu muito talento ao universo do jogo, e se ao longo de décadas foi progressivamente ganhando posição de relevo no onze, a verdade é que me parece inegável que nos últimos 15/20 anos assumiu importância ainda mais decisiva na construção das equipas. Assim se explica que tenham valorizado de forma impressionante, ao ponto de levar clubes e treinadores a decidir pagar por eles muitos milhões de euros, nalguns casos, tantos (ou até mais) como os que são pagos por outras pérolas do meio-campo para a frente.
Em 2017, por exemplo, Guardiola levou o Manchester City a pagar mais de 50 milhões ao Tottenham pelo lateral-direito inglês Kyle Walker, e quase 60 milhões ao Mónaco pelo lateral-esquerdo francês Benjamim Mendy!!! Porquê? Porque os laterais são cada vez mais decisivos para se organizar um ataque mais prometedor e uma defesa mais eficaz.
Já o ano passado, o Bayern deu ao Atlético de Madrid 80 milhões por Lucas Hernández, o mais caro lateral da história, enquanto o Manchester United pagou ao Crystal Palace 55 milhões por Aaron Wan-Bissaka, e o Real Madrid quase 50 milhões ao Lyon por Ferland Mendy.
É possível acrescentar ainda, em jeito de recordação lusitana, as transferências dos portugueses João Cancelo do Valência para a Juventus (mais de 40 milhões), e Nélson Semedo do Benfica para o Barcelona (por mais de 35 milhões), sem esquecer o que há mais de 15 anos (!!!) já valeu Paulo Ferreira (20 milhões pagos pelo Chelsea ao FC Porto) ou, há dois anos, Ricardo Pereira (os mesmos 20 milhões pagos pelo Leicester também aos dragões).
Toda esta conversa - vertiginosa e louca viagem pelo mundo dos laterais - para chegar ao jovem Alphonso Davies, de 19 anos e nacionalidade canadiana, que em janeiro de 2019, e por pouco mais de dez milhões de euros, o Bayern foi desencantar em Vancouver como uma das grandes promessas da Major League Soccer (MLS), o campeonato norte-americano de futebol.
Alphonso é agora um dos mais jovens vencedores de sempre da Liga dos Campeões, ganhou, para já, a titularidade no fortíssimo Bayern de Munique, e vai seguramente tornar-se num caso muitíssimo sério no futebol mundial, se tudo, como se deseja, lhe correr bem.
Davies é um menino que nasceu num campo de refugiados no Gana, para onde, em 1999, fugiram os pais, escapando à guerra civil na Libéria, e se tornou cidadão do Canadá, que o acolheu ainda como refugiado mas lhe deu a tão exigente (e tão dificilmente concedida) nacionalidade canadiana, pelos relevantes serviços prestados ao desporto, tornando-se símbolo da seleção de futebol do Canadá e, agora, naturalmente, maior embaixador do país no futebol mundial. Um exemplo!