O estoiro
NÃO deve, evidentemente, servir de desculpa para ninguém, mas a verdade é que as equipas que andam nas competições europeias e mais jogadores cedem às seleções são também as equipas que mais caro vão pagar algumas faturas da exigência. É inevitável, até pela densidade competitiva que vivem essas equipas e esses jogadores, com jogos a uma média de dois a cada seis dias, já para não falar das absurdas longas paragens para as seleções, que ainda castigam mais alguns jogadores e dificultam exageradamente o trabalho de treinadores.
Já aconteceu a todos, ou a quase todos, terem de pagar a fatura. O Bayern já levou quatro, o City cinco, o United seis e o Liverpool sete!!! Por cá, o FC Porto já amargou com Marítimo e Paços de Ferreira, e o Benfica foi autenticamente atropelado no Bessa. São apenas exemplos. Mas bons exemplos.
Em Espanha, Barcelona e Real parecem andar numa montanha russa, tão depressa fazem alguma coisa de jeito como entram em despiste e sem cinto de segurança. Em Itália, é o Milan, depois de tanto ter sofrido com o Rio Ave na Liga Europa, que lidera o campeonato (e ontem, na Liga Europa, levou apenas três do Lille); a Juve já empatou tantos jogos como ganhou e o Inter também só venceu metade dos que fez. Isto não está fácil para ninguém!
Basta um olhar minimamente atento ao que se vai passando por esses campeonatos fora para vermos uma equipa ganhar fora e logo ser goleada, a seguir, em casa, tão fácil, na realidade, tem parecido vencer por três ali, como perder por quatro acolá. É impressionante e nunca, como agora, em tão curto espaço de tempo, foram tantos os resultados surpreendentes.
Além disso, creio ser evidente que a pandemia - jogos sem público, intervenções do VAR, frieza das emoções… - trouxe ao jogo um significativo aumento de dados aleatórios. Talvez a psicologia o explique melhor, mas jogar nas condições em que se está a jogar, com jogadores mais ou menos emotivos, com mais ou menos receio, por exemplo, de possíveis infeções (que afetem familiares e amigos), altera tanto o contexto que quase não dá para prever o comportamento desta ou daquela equipa, deste ou daquele craque, neste ou naquele jogo.
Não sei se a pandemia explica tudo, provavelmente não, mas a verdade é que tal como a oscilação acentuada que já vimos nalgumas equipas (um bom jogo hoje, logo outro mau amanhã), também nalguns jogadores se vê esse filme. Tão depressa estão desaparecidos, como depressa aparecem. E talvez isso dependa hoje de muito mais fatores.
Volto a sublinhar que nada disto deve servir de desculpa para ninguém, quanto mais não seja porque quanto às circunstâncias da pandemia, o cenário é igual para todos.
Também será muitíssimo provável, apesar de tudo isso, por outro lado, que venhamos no fim a ver nos primeiros lugares dos campeonatos os mesmos que temos visto nos últimos anos, se não for o Liverpool há de ser o City, se não foi o Real será o Barcelona, se não for o Bayern será… o Bayern, e se não for a Juventus ou o PSG serão… a Juventus e o PSG! Mais coisa, menos coisa, não deverá fugir muito disso, o que deve, entretanto, fazer refletir aqueles que passam a vida a denegrir a competitividade do campeonato português e a elogiar os campeonatos dos outros, como se a discussão do título a dois, FC Porto ou Benfica, Benfica ou FC Porto, fosse exclusiva da nossa Liga. Pois não é! O que faz a grande diferença é a nossa Liga ser incomparavelmente mais pobre, porque quanto à discussão dos títulos, nas ligas alemã, italiana e francesa, a pobreza é tão franciscana, que Bayern e Juventus, por exemplo, são campeões há quase 10 anos consecutivos (oito, no caso alemão, e nove, no italiano:..) e o PSG só venceu sete dos últimos oito campeonatos.
É verdade que quando FC Porto e Benfica, sobretudo FC Porto e Benfica, tiveram os fabulosos plantéis que tiveram, em especial na primeira metade desta última década, quase fizeram o que quiseram do campeonato português, mas também isso vai ser cada vez mais difícil de conseguir, e ou muito me engano ou FC Porto e Benfica, para falar dos principais candidatos ao título, vão esta época passar as passas do Algarve bem mais do que desejariam, para estarem, daqui por seis ou sete meses, em condições de lutar pelo título - e vale a pena lembrar, já agora, que em maio, as últimas cinco jornadas da Liga se vão jogar em… 18 dias! Quem vai resistir ao estoiro?!
O Sporting é o novo líder da Liga, com cinco vitórias e um empate em seis jogos. Excelente performance da equipa, num clube que continua a viver realmente tempos de convulsão associativa, dificuldades financeiras e frágil expectativa. Ser adepto do Sporting exige, na verdade, tremenda profissão de fé e o teste à fé sportinguista tem sido não apenas muito duro como dura, sobretudo, há muito tempo, há demasiado tempo para se crer que talvez nenhum adepto de outro clube com a dimensão e história do Sporting aguentasse o que tem aguentado o adepto sportinguista, verdadeiramente leão!
Agora que a realidade do clube levou a expectativa a baixar tanto, e num cenário de pandemia que isolou as equipas, parece ter a equipa de futebol dos leões descoberto o lado positivo desta circunstância para trabalhar com muito menor pressão e muito maior tranquilidade.
Parece Rúben Amorim ter, realmente, qualquer coisa de especial, também pelo que diz e como diz, mas não precisa de aconselhar os seus jogadores a não ler jornais e a não ouvir os comentários nas TV’s porque eles percebem que, em matéria de pressão e peso nos ombros, estão a jogar de cavalinho. Não têm culpa disso, pois claro que não, e só podem, e devem, aproveitar o momento. Os adversários que se ponham a pau!
Quanto ao discurso do coitadinho do Sporting que anda a jogar com uma equipa de miúdos, bom, aconselha-se alguma prudência nas análises. Sim, é verdade que o leão de Rúben Amorim já chegou a parecer aquela equipa do Benfica quando se apresentava com Nuno Tavares, ou Tomás Tavares, Rúben Dias, Ferro, Florentino Luís e Gedson, por exemplo, mas é bom que olhemos na realidade com outros olhos para o leão que tão magnificamente venceu o Tondela e chegou ao sempre saboroso 1.º lugar da Liga. Não é bem uma equipa de miudos, pois não?!