O elefante na sala do Benfica

OPINIÃO11.01.202305:30

O pior do ‘vieirismo’ é esta dúvida/suspeita permanente que paira sobre os acólitos de Vieira, quer ainda estejam ou não ao serviço do Benfica

O actual presidente do Benfica, Rui Costa, é um dos que (justa ou injustamente, só ele saberá) paga o preço de ter sido um dos rostos fortes do vieirismo durante 13 anos (2008-2021), como director desportivo, administrador da SAD e vice-presidente benfiquista. Há dias foi constituído arguido (na condição de administrador da SAD) no mega processo em que o Benfica é suspeito, entre outras coisas, de corrupção desportiva. 

Deixemos a Justiça, que é lenta, seguir o seu curso e mantenhamos a fé nestes dois pressupostos básicos do Estado de Direito: a presunção de inocência dos arguidos; a presunção de competência de quem está a investigá-los. 

Dito isto, imagino o desconforto que Rui Costa – sobretudo Rui Costa! – e outras figuras da cúpula dirigente benfiquista vindas do vieirismo devem sentir com esta última decisão do Ministério Público; como imagino o incómodo que certamente lhes causará a sombra permanente da Justiça no dia a dia do clube há mais de seis anos. Primeiro, porque não é agradável e dá mau aspeto a qualquer instituição que preze o seu bom nome. Segundo, porque são muitos casos em que o nome do clube surge envolvido (e-mails, vouchers, lex, e-toupeira, jogos viciados, saco azul, mala ciao). Terceiro, porque afecta a imagem e a credibilidade do clube perante adversários e parceiros comerciais. Quem quer fazer negócio ou partilhar a imagem com um clube atolado em processos judiciais?

O pior legado (do tempo) de Luís Filipe Vieira é esta dúvida/suspeita que paira sobre ele e sobre os seus compagnons de route, quer ainda estejam, ou não, ao serviço do Benfica. E isto também acontece, é bom frisar, porque Rui Costa não conseguiu fazer - ou não quis fazer - o corte que se impunha com o vieirismo: permitiu que transitasse com ele muita gente da anterior cúpula dirigente, inclusivamente quadros arguidos noutros processos. O Benfica continua a levar com os estilhaços do regime supostamente decapitado no dia da prisão de Vieira e continua a levar porque alguns dos protagonistas desse tempo continuam lá - em funções.
 

É o elefante na sala do Benfica. Incómodo. Embaraçoso. Mas presente. Por muito que se finja que não está lá. Por muito que se tente ignorá-lo, não falando dele. 

Lembro-me do desabafo que escutei a um presidente de um clube da Liga quando a revista Sábado revelou que havia uma toupeira na FPF (um membro do conselho fiscal) que facultava a um funcionário do Benfica relatórios e documentos confidenciais sobre as relações financeiras entre a FPF e clubes concorrentes do Benfica: «Eu até tinha apreço pelo [Luís Filipe] Vieira. Mas depois de isso vir a público nunca mais consegui olhar para ele da mesma maneira. Deixei de confiar nele». 

Sucessor designado pelo próprio L.F.Vieira quando este estava no auge do poder e ainda se presumia intocável, Rui Costa sabe que não pode permitir exageros na narrativa do homem novo (o homem impoluto que o benfiquismo aguardava!) sob pena de ninguém o levar a sério, como a prometida auditoria forense. As ideias e a praxis ao fim de um ano como boss indiciam mudança de prioridades relativamente ao ideário e, sobretudo, à gestão de Vieira; os resultados do futebol nestes últimos meses ajudam; as contratações, a começar pela do treinador, têm mostrado o critério que tantas vezes faltou nas compras por atacado de Vieira; e o discurso de Rui Costa soa muito mais limpo e arejado do que as arengas de LFV (quantas vezes eivadas de cinismo, como frisei aqui). 

Quero acreditar que Rui Costa não tenha tido algo a ver com certas atividades de Paulo Gonçalves e César Boaventura ao serviço do Benfica, mas parece-me, ainda assim, que continua a haver muita coisa por explicar nos 13 anos de Rui ao lado de Luís Filipe. Ele saberá que há sempre um preço a pagar quando estamos lá e escolhemos (ou deixamos que nos escolham) um caminho. Que pode envolver ação. Ou omissão. Por vezes conseguimos passar por entre os pingos da chuva. Noutras, não.
 

Para acabar. Espero sinceramente, porque sempre gostei dele como jogador refinado e extraordinariamente elegante que, mesmo sendo um rosto forte do vieirismo (para o bem e para o mal), Rui Costa possa vir a ser o presidente do regresso benfiquista ao caminho da lisura e da decência, de que manifestamente Luís Filipe Vieira se desviou a certa altura do percurso. Com as consequências que continuam à vista.

Isso é mais importante que qualquer campeonato.
 

Rui Costa paga o preço, escreve André Pipa, de ter sido um dos rostos fortes do ‘vierismo’ 


O DÉRBI TEM FAVORITO

O Benfica, obviamente, apesar de ainda não ter recuperado a dinâmica goleadora da primeira parte da época. Ontem, na Póvoa de Varzim, Schmidt fez algumas poupanças, algo raro nele, e saiu-se bem. O Benfica venceu por 2-0 depois de sofrer um pouco na 2.ª parte. O ex-fugitivo Enzo marcou, apontou para o emblema e confirmou a passagem do Benfica aos quartos de final da Taça pela 60.ª vez (igualou o FC Porto, que pode desempatar hoje). Para completar o dia, Rui Costa alegrou os adeptos com duas contratações (Schelderup e Tengstedt) que ajudam a esquecer as desagradáveis noticias do fim de semana. Nota negativa apenas para a saída de Grimaldo, tocado, depois de ver o árbitro e o VAR perdoarem-lhe um penalty sobre Tito Júnior (50’). Veremos se ele e Rafa Silva recuperam a tempo porque Schmidt não tem outros com as suas características. Independentemente disso, parece indiscutível que o Benfica tem sido muito mais sólido e regular que o velho rival e estará, por isso, mais próximo de vencer o derby de domingo. 

Não quer isto dizer que o vice-campeão não tenha capacidade para ganhar o duelo (com este ou qualquer outro adversário doméstico). Tem. Sabe-se que tem. Mas a moral, a confiança e o conforto (12 pontos de avanço!) estão todos do lado encarnado. O leão está muito mais intranquilo e pressionado. Se o Benfica com Schmidt tem-se revelado uma equipa focada, competitiva e sequiosa de sucesso, no Sporting vê-se que não há suficiente nojo à derrota (vão cinco em apenas 15 jornadas), que é uma característica típica dos clubes muito competitivos, para quem perder um jogo é quase um drama. O leão perde jogos que não devia perder (Chaves, Boavista, Arouca e Marítimo…) e não se vê nos jogadores a fúria, a desolação, até o chamado mau perder que se observa noutras latitudes. 

Não duvido que Amorim, Varandas e Viana são competitivos e detestam perder, mas o próprio treinador já terá percebido que instituir uma cultura de exigência sólida num clube que não a tem há muito tempo não se consegue no espaço de um ou dois anos. O Sporting ainda está a pagar o preço de 40 anos de low profile e conformismo com o insucesso. Seja como for, é de esperar um leão de raiva no duelo com o rival eterno. Se todos jogarem com a alma e a entrega de Nuno Santos e Pedro Porro, Amorim pode voltar a causar sérios problemas ao Benfica, embora esta equipa encarnada nada tenha a ver com aquela a que os leões, na época passada, infligiram dois banhos de bola (na Luz e na final da Taça da Liga).