O copo
Não haverá, certamente, uma única maneira de olhar para o que vem sucedendo, muito em particular nos últimos três jogos, com a equipa de futebol do Benfica. Como sempre, pode olhar-se para o problema e ver o copo meio vazio - os centrais são lentos, a equipa defende mal, Jorge Jesus tem de alterar o modelo de jogo, os médios não são capazes de dominar o processo defensivo da equipa -, e pode olhar-se para o que aconteceu e ver o copo meio cheio - a equipa teve quase sempre força para reagir à adversidade, sem grande sucesso, mas teve, o que significa que a equipa tem futebol. O que lhe falta, então? Equilíbrio. E o equilíbrio, no futebol, é essencial!
Na perspetiva, ainda, desse copo meio cheio, pode até perguntar-se: quantas equipas teriam sido capazes, no fim de contas, de fazer o que a equipa do Benfica fez, vendo-se a perder por 1-3, com o Rangers, e por 0-3, com o SC Braga? Muito poucas, atrevo-me a apostar.
Com os escoceses, ainda deu para um surpreendente 3-3 final (há quanto tempo um empate não tinha tanto sabor a vitória para uma equipa portuguesa?); com o SC Braga, a equipa de Jesus ainda recuperou para 2-3, não chegou à igualdade, mas ainda foi capaz de criar ocasiões suficientes para, pelo menos, conseguir o merecido empate. Merecido, note-se, mesmo atribuindo-se todo o mérito à organização da equipa do bom treinador que é, sem dúvida, Carlos Carvalhal, e à forma talentosa e eficaz como a turma minhota aproveitou os erros adversários. Seja, pois, meio vazio ou meio cheio, o copo do Benfica não tem toda a água que o Benfica precisa. E só Jesus a pode encontrar.
Nove golos sofridos em três jogos, duas derrotas e um empate, e a imagem de uma equipa que dá ideia de cair num estado de sobressalto, foi assim que o Benfica fechou, pois, este terrível ciclo de sete jogos em 20 ou 21 dias. Delicada e preocupante imagem deixada no Bessa e em dois jogos na Luz, com Rangers e SC Braga, a justificar alguma reflexão de jogadores e equipa técnica. De fora, não é fácil perceber exatamente o que se passa, mas que se passa alguma coisa com a equipa do Benfica, parece também ser inegável.
Sofrer golos como o Benfica desatou a sofrer não é, evidentemente, normal, em primeiro lugar porque não é normal ver-se uma equipa cometer tantos erros, e erros não forçados, como se diz no ténis, erros que são provocados por más decisões próprias e não por pressão do adversário, e em segundo lugar porque não é normal vermos uma equipa de Jorge Jesus parecer (e ser) tão vulnerável no seu processo defensivo, seja na chamada reação à perda da bola, seja no posicionamento dos jogadores, sobretudo se colocamos o treinador das águias, como eu o coloco há muito, no grupo dos melhores do mundo a trabalhar exatamente o processo defensivo das suas equipas.
Se não está Jorge Jesus a conseguir ainda formatar a equipa do Benfica à sua imagem, das duas uma, ou há jogadores que ainda não entenderam, em pleno, o que o treinador quer, seja pelas características individuais, seja pelo contexto, seja pela demora na ligação a Jorge Jesus, ou a equação da equipa ainda não está suficientemente completa e em janeiro será, então, necessário fazer algum ajuste, seja pela necessidade de conseguir mais um defesa central - o tal, fosse Rúben Semedo, fosse Lucas Veríssimo, que não chegou a vir -, seja pela necessidade de encontrar aquele número 6 que dê à equipa o equilíbrio no processo defensivo do 4x4x2 de Jesus, que, porventura, lhe faltará.
Último e de resultado muito angustiante para as águias, o caso do jogo com o SC Braga foi paradigmático para as águias, porque os seus jogadores tornaram o jogo muito difícil por responsabilidade própria, oferecendo ao adversário o que ele precisava para chegar ao golo. Parece haver até bloqueio mental nalguns jogadores encarnados, que nalgumas circunstâncias parecem pensar um segundo mais tarde do que deviam.
Chegam a dar a ideia de tomar ou má decisão ou boa decisão fora de tempo, com o opositor ou a recuperar facilmente a bola ou a recuperar facilmente a posição ideal.
Não é normal, ainda, ver o rendimento de alguns jogadores oscilar de forma tão significativa, ora num jogo se apresentam tão mal, ora no seguinte entram para influenciar tão positivamente o jogo. Foi, e dou-o apenas como exemplo, o caso de Gabriel, que se mostrou tão inadaptado ao jogo do Bessa e foi, no último domingo, tão importante na recuperação parcial do Benfica, no jogo com os bracarenses.
Dizem os factos que Jorge Jesus ainda não encontrou o onze do Benfica, seja pelas opções e experiências, seja pela necessidade de proceder a algum tipo de rotatividade por gestão da exigência física - Jesus que, na verdade, chegou a assumir no Brasil não defender essa rotatividade.
A verdade é que no Bessa, o próprio treinador acabou por reconhecer que deveria ter mexido mais na equipa do que mexeu, na sequência daquela desastrosa apresentação das águias diante do Boavista - que, entretanto, na última jornada levou 3 em Faro e, vá lá saber-se porquê, pareceu ser tudo menos a equipa que bateu os encarnados.
Seja como for, com mais ou menos rotação pelas questões da sobrecarga física, a verdade é que Jorge Jesus parece realmente ainda não estar convencido de como formar, sobretudo, a linha média, parecendo, ao mesmo tempo, ainda hesitante quanto ao posto das laterais defensivas.
Sabemos como o modelo preferencial de Jesus é o 4x4x2, com particular e especial dinâmica no jogo interior e na verticalidade do processo ofensivo - como forma de chegar rápido à área adversária, com o maior número de jogadores possível para criar várias e fortes possibilidades de fazer golo.
Tendo, porém, em consideração a dificuldade de compatibilizar na linha média uma dupla que lhe dê mais garantias (já tudo foi experimentado), talvez Jesus tenha mesmo de pôr de parte… parte do seu modelo e colocar na casa encarnada mais trancas na porta: em vez de uma dupla a meio-campo, porque não… uma tripla?
Não dá com Gabriel e Taarabt? Nem com Weigl e Gabriel? Ou com Taarabt e Pizzi? Ou com Pizzi e Gabriel? Ou com Weigl e Taarabt? Não valerá, assim, a pena misturá-los e tirar, em vez de dois, três nomes? É o que se questiona - à falta de maior segurança no chamado corredor central, porque não fechar as janelas se a corrente de ar tem sido tão forte?
Parece-me, por outro lado, muito fácil, com franqueza, atirar a responsabilidade dos erros e dos golos sofridos para cima dos defesas centrais, apenas titulares das seleções argentina e belga!
Não estou nada de acordo, por exemplo, com a crítica feita a Otamendi no lance do 3.º golo sofrido pela equipa da Luz no jogo com o SC Braga. A responsabilidade foi, na minha opinião, de Odysseas Vlachodimos, que atacou um lance que Otamendi tinha claramente controlado. Será Vlachodimos o guarda-redes que uma grande equipa precisa? Tenho as minhas dúvidas. Vlachodimos é inquestionavelmente um bom guarda-redes e faz a diferença que todos os bons guarda-redes fazem, na agilidade e qualidade entre os postes, mas não faz a diferença que fazem todos os grandes guarda-redes, na leitura de jogo, nas saidas da baliza, no jogo de pés!...
Ao fazer o que fez no tal lance do 3.º golo bracarense, ao abandonar a área e ao encurtar o espaço para o seu companheiro, o que Vlachodimos fez foi deixar Otamendi sem poder atrasar a bola em segurança, forçando-o, por isso, a deixá-la para ser aliviada pelo guarda-redes. Vlachodimos ainda tentou o alívio de cabeça. Mas falhou. Nem resolveu, nem deixou que Otamendi resolvesse. E entornou-se o caldo!
Com todo o respeito, muitas das vozes críticas parecem, porém, atacar Otamendi porque Otamendi, pelas razões que se conhecem, parecerá ser alvo mais fácil, porque atacando Otamendi ataca-se alguém que, tendo jogado num FC Porto campeão, é visto, por mais absurdo que isso seja, e é, como alguém que não faz parte da matriz da Luz. Um disparate!
Otamendi é, e nunca deixou de o ser, um grandíssimo defesa central, um campeão na atitude e no profissionalismo, e basta apenas dar atenção a alguns detalhes para se perceber isso. Não anula, evidentemente, os erros que já cometeu (não mais do que a maioria dos companheiros), mas, sublinho, se derem atenção a alguns detalhes, verão como eles evidenciam toda a categoria e experiência que Otamendi tem.
PS: Investigue-se, sim, investigue-se tudo e castigue-se quem for, provadamente, culpado, seja no futebol, seja no que for. Acreditamos na Justiça ou só acreditamos na Justiça quando ela condena? Ou será que queremos mesmo viver numa sociedade de «tribunais populares»?!