O clamor (calado)

OPINIÃO22.07.201804:01

Numa das suas crónicas Jorge Valdano conta que, certa vez, perguntou, filosófico, a um técnico muito experiente (e ainda mais ganhador):

- O que é que querem os dirigentes de um clube quando contratam um treinador?

e ele respondeu-lhe veemente (e fulminante):

-  Querem que lhes mintam!

(E não, não é só que lhes mintam a eles - é também que mintam aos adeptos.) Ou seja: não querem apenas que os treinadores agucem sonhos - querem que soltem devaneios, mentindo-lhes, no que vão dizendo. (Sobretudo quando se vivem as vicissitudes caprichosas da pré-época - essa estação armadilhada em que não se ganham campeonatos, mas podem começar a perder-se campeonatos.) Há, porém, treinadores que são pouco assim - e, por isso, não são capazes de não ser realistas e frontais. Sérgio Conceição é dessa estirpe. E tem, no caráter, outro traço espicaçado: achar que a pior altura para se calar é a altura em que se não disser certa coisa, rebenta - e não rebenta de angústia, rebenta de laxismo. E ainda tem (a iluminá-lo) ponta do espírito de Pedroto. Quando Pedroto regressou ao FC Porto para o lançar ao futuro (e além da sua história) criou ritual insólito: nas convocatórias (e nas fichas de jogo) onde estava a palavra suplente, riscava-a - e escrevia reforços. Uma vez explicou-o:

- É para mostrar que, no meu plantel, não há suplentes, há reforços que entram em campo para mexer no 11, tornando-o melhor, sempre melhor.

Não, após a derrota com o Portimonense, o que Sérgio Conceição largou não foi caramunha, foi grito de coração aberto a mostrar, em alarido, que não quer que lhe deem suplentes - mas reforços. (Para que o seu FC Porto volte a ser equipa repleta de certezas - em vez de equipa tonta de dúvidas.)

PS - A derrota com o Lille só provou que Sérgio Conceição não mentira à realidade. (E, nada dizendo, depois do Lille - do seu silêncio não deixou de soltar-se clamor ainda mais ensurdecedor…)