O caso complexo da Seleção Nacional
Fernando Santos tem de encontrar a combinação perfeita entre CR7 e a qualidade de outros jogadores-arte. É, aliás, um desafio urgente
HÁ muitos e bons exemplos de equipas que são mais do que a soma dos seus jogadores. Os méritos vão direitinhos para o treinador que, hábil e competente, consegue uma fórmula de sucesso em que o coletivo ganha força e personalidade próprias.
Por norma, os exemplos conhecidos dão-nos conta de equipas formadas por jogadores sem elevada expressão mediática ou, pelo menos, não reconhecidos como de primeiro plano do futebol internacional. É natural que assim seja, porque as estrelas são avessas a todos os brilhos que não sejam o seu e, por isso, conformam-se pouco com a ideia de um dever coletivo, acima da sua condição de caso excecional, não apenas na equipa, mas até no jogo.
No caso da Seleção portuguesa, coloca-se a questão contrária. Ou seja: o valor total da equipa nacional parece bem mais pequeno do que a soma das suas altas personalidades. Assim sendo, é natural que os dedos indicadores se espetem na direção do treinador e surja uma condenação sumária: o selecionador é o culpado!
Não é assim tão fácil julgar. Primeiro, porque como diz Fernando Santos, as seleções, hoje em dia, não têm tempo para treinar e aperfeiçoar rotinas; depois, porque, na Seleção, muitos jogadores têm de ocupar posições diferentes, jogam em sistemas diversos e atuam com companheiros diferentes. Além disso, há a questão dos egos. Muitos jogadores da Seleção Nacional são os melhores nas suas equipas, os patrões, são eles que mandam no jogo. Na Seleção só manda um: Cristiano Ronaldo.
Daí que o futebol da Seleção não possa deixar de passar sem um jogador com o nome, o prestígio, o estatuto e a indiscutível classe de um fora de série como, apesar dos anos, continua a ser CR7.
Cristiano Ronaldo bisou frente à Irlanda
Porém, como Cristiano foi adotando, com o passar dos anos uma nova forma de jogar, que é de natureza mais participativa no sistema ofensivo, esse simples facto obriga a que a dinâmica de jogo da Seleção dependa dessa particularidade, tal como as soluções para a intensidade na procura da bola no primeiro terço do adversário sejam mais posicionais e menos pressionantes, o que se torna muito perigoso, sobretudo nos tempos que correm, onde o futebol é, cada vez mais, velocidade e intensidade em todas as zonas do campo.
Parece-me, pois, que existe, de facto, um caso de alta complexidade, de difícil resolução no futebol da Seleção Nacional. Como aproveitar, na plenitude, as fantásticas capacidades de jogadores como Bruno Fernandes, de Diogo Jota, ou de Bernardo Silva? É claramente mais fácil ver um jogador como Palhinha integrar-se sem problemas e conseguir atingir um elevado nível competitivo, do que ver jogadores-arte serem capazes de exprimir ao melhor nível o seu futebol, que precisa de apoios.
E se é verdade que a esses jogadores se consente, nas suas equipas, alguma tolerância no trabalho defensivo, aqui, na Seleção, basta que Cristiano usufrua dessa regalia e estatuto para mais ninguém ousar imitá-lo, sob risco de Portugal se tornar uma equipa demasiado desequilibrada para se tornar um adversário perigoso.
Ponto assente: Portugal continuará a jogar com Cristiano Ronaldo, enquanto puder. Fernando Santos terá de encontrar um modelo específico de jogo para esta realidade. Dir-se-á que não é uma novidade para Fernando Santos. Quem diz isso, esquece-se que este Cristiano Ronaldo é outro, joga de forma diferente, em posição diferente e pede um modelo de jogo diferente. Como se faz, então, a combinação necessária entre a classe de tantos e tão diversos jogadores? A solução tem de ser encontrada pelo selecionador. Os dois próximos jogos, sem Ronaldo, serão curiosos.
BONS VENTOS ESTÃO A SOPRAR
Bons ventos parecem, enfim, estar a soprar no futebol português com a notícia de entendimento entre os principais clubes profissionais de futebol, quanto à centralização de direitos televisivos. Diz-se, mesmo, que a novidade pode surgir, já, no ano de 2023. É uma boa notícia, sobretudo, para os médios e pequenos clubes, mas é, sobretudo, uma boa notícia para o futebol português pelo que significa de capacidade de entender o interesse na transformação de uma indústria que tem pecado pelo histórico conservadorismo.
ADEUS SENTINELA, ADEUS LIBERDADE
Os americanos abandonaram o Afeganistão e deixaram para trás demasiados esqueletos no armário. Saíram porque já lá estavam há muito tempo. Ou seja: durante vinte anos ocuparam um território, ou parte dele, sem conseguirem qualquer outro objetivo que não fosse o de sentinela da liberdade. Quando a ordem foi sair rapidamente e em força, foi-se embora a sentinela e com ela a liberdade. Apesar das justificações mais ou menos atabalhoadas, fica na História o evidente insucesso americano e a preocupante fraqueza europeia.