O bom ano do Dragão

OPINIÃO11.06.201901:00

Só tenho boas recordações do Estádio do Dragão nesta temporada. Foi lá que o Benfica deu o passo decisivo para ser campeão nacional e foi agora também lá que terminou em apoteose a época, neste caso não para um clube, mas para o clube de todos os clubes, Portugal. Fica para a história do futebol europeu, termos sido os primeiros a conquistar esta neófita competição entre selecções. Um torneio com um nome algo equívoco - Liga das Nações - que terá sido encarado com alguma desconfiança e até displicência. Desde logo, em função das preferências uefeiras, porque não estavam na fase final os sempre incensados mandões da Europa do futebol: França, Alemanha, Espanha e Itália.
Não terão sido entusiasmantes os jogos efectuados entre os quatro finalistas. Notou-se o cansaço não apenas físico, mas também mental da maioria dos intervenientes. No primeiro jogo, Cristiano Ronaldo conquistou o que a sofrível actuação da equipa não teria conseguido. Na final, quase foi o inverso: o colectivo foi determinante para não se estar mono-dependente do nosso melhor jogador.
Fernando Santos - goste-se mais ou menos do seu modo de pôr a equipa em campo - conseguiu o que até agora ninguém alcançara: ser campeão europeu e vencer a primeira edição de uma competição intercalar europeia. Sabendo aproveitar o caudal de belíssimos jogadores que podem representar a nossa selecção, foi capaz de, com estabilidade, espírito de grupo e uma segura teimosia, levar Portugal ao topo desta Europa.
Par além da saborosa vitória portuguesa, apreciei a reabilitação da equipa holandesa, que é bem-vinda ao grupo dos melhores, após uma travessia no deserto e reconstruindo, passo a passo, a renovação necessária (alicerçada no caso de sucesso do Ajax). No jogo da final contra Portugal, vi, porém, uma equipa muito desesperantemente lenta na movimentação, no passe, na definição. Quanto à Inglaterra, também é de salientar a melhoria do seu seleccionado, o que bem é necessário na nação do melhor futebol de clubes.
Voltando a Portugal, houve jogadores que estiveram em grande plano, isto para além dos 3 notáveis golos de Ronaldo no jogo contra os helvéticos. Rúben Dias ombreou com Virgil Van Dijk, enquanto jovem, mas seguramente talentoso central. Como benfiquista, fico dividido: a sua cotação no mercado terá subido, mas a possibilidade da sua saída do clube terá também aumentado. Rui Patrício foi irrepreensível e gostei muito de William Carvalho. Sobre Bernardo Silva já nada há por provar. Foram dele, os nossos dois momentos decisivos, quando assistiu brilhantemente Cristiano para o 2-1 contra a Suíça, e Gonçalo Guedes no golo da vitória contra os holandeses. Pizzi teria merecido uns minutinhos de jogo. Quanto a João Félix os seus 60 minutos em campo, só no primeiro jogo, não constituíram a estreia que ele e nós esperávamos. Haverá várias razões para tal. Por um lado, o alvoroço mediático e o assédio de toda a ordem de que tem sido alvo, o que - convenhamos - para um jovem de 19 anos não é a melhor estufa para se estrear na selecção nacional. Não se poderia ao menos ter evitado tal frenesim nestes escassos dias da Liga das Nações? O momento da sua chegada ao hotel da selecção foi um atestado da clubite doentia que tomou conta do nosso futebol. E se não vale a pena dar importância excessiva a meia-dúzia de energúmenos que o quiseram receber com ‘palmadinhas afectuosas’ no carro e impropérios de quem não sabe dizer duas palavras seguidas em bom português, fico perplexo com pessoas com peso na opinião publicada e exigências deontológicas e profissionais que, nas recorrentes redes sociais, lhes dão cobertura, interpelando João Félix sobre o que é que ele estaria à espera (!) naquelas circunstâncias. Valha-nos Deus! Por outro lado, o jovem jogou fora da posição em que mais brilha, andou perdido entre o que gostaria de ter feito e o que, provavelmente, lhe mandaram fazer. Creio ter sido um benéfico aviso para um jogador que tem um futuro longo e brilhante pensar que uma coisa é a sua integração e protagonismo no seu clube, outra é passar para um contexto diferente em que quase tudo lhe é novo ou até estranho. Sei quão difícil é para ele e  sua família tomarem a decisão mais acertada nas próximas semanas, sei quão inebriante deve ser o horizonte planetário e a conta bancária com muitos zeros à direita. Mas esperar esperando, amadurecendo, num ambiente amigo e acolhedor é também um investimento na segurança do salto que vai merecidamente ter sempre ao seu alcance e à sua escolha.
Árbitros respeitados e sem histrionismos de quem precisa de aparentar ter mais autoridade do que a que lhe é exigida. Jogadores não distraídos com o apito, sem fitas e perdas de tempo que por cá tanto abundam. Como é bom verem-se jogos sem as polémicas tonitruantes e patéticas à volta de casos reais ou inventados no sofá! No entanto, o mesmo não diria dos VAR. Continuo a pensar que o seu recurso é uma excelente inovação que pode e deve conduzir a uma mais credível verdade desportiva. Mas, nada de exageros na supremacia da tecnologia sobre um desporto de pessoas para pessoas. Cito dois casos das meias-finais desta Taça. Anular o segundo golo da Inglaterra frente à Holanda por milímetros tirados a regra e esquadro é nocivo para o jogo e para a festa do golo. Sempre aprendi que, em caso de dúvida ou situação de difícil determinação da posição do avançado, se deve beneficiar o ataque. O outro caso, ocorreu no Portugal-Suíça. O penálti marcado contra nós nem em câmara lenta é claro, quanto mais em tempo real. O que faltará, neste desporto de contacto físico, para que qualquer toque ou encosto seja assinalado como grande penalidade? Contraponham a proporcionalidade e a sensatez (humanas) à exageração do olho electrónico.

A sentença

Sobre a decisão do Tribunal Judicial da Comarca do Porto já tudo foi praticamente dito. Do que pude ler, o acórdão de 1.ª instância é cristalino e exaustivo. E claro como a água. Aliás, numa matéria em que a jurisprudência é muito escassa no que se refere ao cálculo dos danos, sobretudo não patrimoniais, percebe-se a prudência, a equidade e a ponderação com que foi deliberada a decisão do Tribunal.
O que mais sublinho na decisão é a consagração do imperativo da tutela do direito à privacidade (e, portanto, à sua inviolabilidade por interesses alheios, espúrios e de natureza ilícita), bem como  da tutela de uma livre e leal concorrência. Houve um senhor disfarçado de jornalista que se achou no direito de tudo isto violar, com o beneplácito das suas entidades patronais, na sua fantasiosa e soez interpretação do (seu) ‘interesse público’ e na esperteza de seleccionar e truncar documentação roubada em nome da (sua) ‘verdade’ e do (seu) ‘bem comum’. Uma vil paródia feita por quem se julgava, quiçá atendendo a casos passados, acima dos pilares fundamentais de um Estado de Direito. Uma opereta bufa servida, meses a fio, num canal próprio, sem contraditório, com manipulação («pior do que uma mentira», segundo o acórdão) dolosa e ordinária de documentação roubada usada como «mera extensão do interesse clubista».
Nestas coisas, acontece, não raro, que o que se defende hoje, amanhã se repudia e vice-versa. Ouvi e li depoimentos de certa gente para quem, de repente, o «há que confiar na justiça» passou a «há que desconfiar da justiça». Ou seja: confiam só se os juízes lhes fizerem a vontade, não confiam se os mesmos juízes não forem ao encontro dos seus insondáveis e maquiavélicos desejos. Até dizem, agora, sem terem vergonha, que tudo está na mesma, como se uma decisão tão fundamentada de 1.ª instância, ainda que recorrível, seja igual a zero. O mesmo já  havia acontecido no chamado ‘caso e-toupeira’, ao ponto da juíza que não pronunciou o Benfica  ser alvo de chacota numa lona gigante no Dragão com a aceitação, ao menos tácita, do Porto. Por enquanto, no caminho por percorrer, o Benfica ainda não estará a ganhar definitivamente, mas o Porto já está a perder por um categórico 0-2.
Pelos vistos, o ‘polvo encarnado’ terá virado ‘piranha azul-e-branca’ em regime canibal. Ou, de outro modo, quem sabe se virou ‘alforreca’, sabendo-se que este animal aquático não tem ossos, cérebro ou coração, mas apenas um sistema nervoso rudimentar na base dos tentáculos. Sistema que pressente mudanças no ambiente e coordena, ardilosa e venenosamente, os movimentos tentaculares.