O ano de 2020 em quatro andamentos (quase musicais)
Lento, pastoso
1 Na verdade, nenhum andamento musical é pastoso. Ou melhor, pode ser, mas o termo não se aplica. Mesmo lento só se aplica mais recentemente (isto quer dizer há um século, pelo menos), uma vez que as designações tradicionais seriam Grave ou Largo. No entanto, para caracterizar o início do ano de 2020, quando o Sporting ainda jogava sob a batuta de Jorge Silas, parece-me o termo pastoso (em vez de majestoso) adequado.
Era o tempo em que a bola vinha para a defesa (Coates ainda tinha o saudoso Mathieu ao lado), seguia para o meio campo, onde Wendel ainda imperava, e tinha muita possibilidade de voltar aos pés de um defesa. Lá mais para a frente, jogava um senhor Bolasie e ainda Sporar, além de rotativamente outros, que podiam ser Plata ou Jovane, mas o futebol era lento e pastoso, muito mastigado, sem alegria.
Não sei se a culpa era de Silas, se da estrutura, se de certas bancadas ditas adeptas do Sporting, que assobiavam toda a gente, do presidente ao jogador que tinha a bola. Mas não era nada bonito de se ver. Começámos o ano a perder com o Porto, em casa, por 1-2. Ainda jogou Bruno Fernandes, parece há séculos, eu sei, mas não foi. Acuña marcou o golo do Sporting que empatou (sofrêramos um, logo aos seis minutos, do conhecido Marega), e depois Tiquinho Soares, aos 73 minutos, fez o golo da vitória para os portistas. Na jornada seguinte, Bruno Fernandes ainda marcou dois golos na vitória por 3-1, em Setúbal, mas logo na semana seguinte o Benfica foi a Alvalade ganhar por dois. Dois golos marcados por Rafa Silva, que entrara aos 74 minutos e marcou um aos 80 e outro aos 90. Ambas as equipas jogavam em 4x5x1 e os treinadores eram Silas e Bruno Lage. Depois o Sporting ainda ganhou ao Marítimo, também em casa (1-0, golo de Borja), para logo perder com o Braga, na Pedreira, já Bruno Fernandes não jogava. A derrota por 1-0 ficou a dever-se a um golo de Trincão, que entretanto foi para o Barcelona. Erraticamente ganhámos ao Portimonense e ao Boavista, não fomos além de 1-1 com o Rio Ave, até chegarmos àquele resultado inesquecível em Famalicão: perder por 3-1, sendo que aos 10 minutos já íamos com 2-0. Coates ainda reduziu, mas Diogo Gonçalves, emprestado pelo Benfica aos famalicenses, acabou com a esperança ao fazer o terceiro.
E assim se encerrou o período Silas. Na jornada seguinte veio Rúben Amorim, por 10 milhões, ante a incredulidade de muitos, entre os quais eu (e, já agora, Figo, que considerou o preço uma loucura), e o Sporting venceu por 2-0 o Aves, equipa que aos 20 minutos já jogava com nove, depois de duas expulsões. Mesmo assim, os golos só apareceram aos 62 e 68 minutos por Sporar e Vietto.
Foi o último jogo que se pôde ver no estádio.
Triste e dolente
2 Mais um andamento que, na verdade não existe. As peças mais tristes eram tradicionalmente Adágios e, de qualquer modo, tinham mais a ver com o sentimento do que com o andamento.
Porém, depois da pandemia assaltar o país, no início de março, o futebol só voltaria em junho… e com os estádios vazios. Foi o tempo das incertezas, que ainda se mantém, mas igualmente o tempo de compreendermos como uma parte do Sporting se tornava tão prejudicial ao clube. Digamos que é essa a parte dolente ou dolorosa deste andamento. Como é possível termos associados que nos querem mal? Não se trata de gostar da Direção ou não; nem de preferir outra equipa diretiva ou mesmo outra equipa técnica ou outro conjunto de jogadores regulares; trata-se de gente que torce pela derrota do Sporting enquanto hipocritamente designa o clube o seu grande amor e os sócios de que não gosta anti-sportinguistas. É doloroso para quem tem a consciência tranquila, sabe que a enorme maioria dos sócios se revê nas decisões tomadas e rejubila com as vitórias.
Mas é triste, igualmente, ver pouca determinação nos fatores que poderiam mudar este estado de coisas. Não quero que me chamem obsessivo, mas continuo a insistir em que a mudança substancial dos estatutos, e da relação do clube com a SAD, são obrigações de curto prazo. Para que jamais se repita o que tivemos (e temos): a predominância de um grupo de trauliteiros sobre aqueles que verdadeira, e desinteressadamente, se preocupam com o clube.
Sim, o período em que não existiu futebol (março, abril e maio, essencialmente) foi triste e doloroso. Ainda não sabíamos ao certo o que valeriam os 10 milhões dados por Rúben, mas já conhecíamos bem o veneno de quem, ainda ligado ao demitido CD, o espalhava. Não é um tempo que queira reviver.
Allegro, esperançoso
3 Não se deixem enganar, se estivesse a escrever uma pauta de música isto seria um pouco subjetivo de mais. O terceiro andamento do Sporting, neste ano de 2020, é o que tem a retoma em 4 de junho, já pós-auge da pandemia.
O Sporting teve de ir a Guimarães, um desafio importante e o primeiro grande teste a Amorim. Safámo-nos com 2-2, com dois golos de Sporar. Já jogámos numa tática que se aproxima dos três defesas, e no geral o jogo deixa boa impressão, para o que estávamos habituados. Segue-se um punhado de vitórias e um empate com o Moreirense, até à derrota no Dragão com o Porto. A equipa jogava melhor, sem dúvida, mas ainda não desenvolvia, como seria a vontade do treinador e dos adeptos. De qualquer modo, era ainda bocejante e sem garra. E assim chegamos à última jornada, em que perdemos 2-1 na Luz. Mas o jogo foi do Sporting, com mais posse de bola, mais remates enquadrados, mais eficácia no passe. O golo da vitória do Benfica surge aos 88 minutos, por Vinícius, remetendo o Sporting para o quarto lugar, atrás do Braga, mas com os mesmos pontos. Sentia-se, ainda assim, que algo de novo andava por aí. Que havia esperança.
Vivace, cuidadoso
4 Vivace é um andamento rápido, vivo, alegre. Corresponde a cerca de 150 batimentos por minuto, no que se chama pulso em música. Não é, não pensem, o mais rápido de todos; temos o vivacíssimo, alegríssimo, presto e prestíssimo. Lá chegaremos, não digo nos 90 minutos do tempo de jogo, mas a espaços. As boas obras também contêm diversos andamentos. Mas esta, que começou em setembro passado, para a época 2020/2021, não acabou.
A pandemia atacou, na primeira jornada, os dois contendores (Sporting e Gil Vicente) e estes só se encontrariam mais tarde.
Na segunda jornada o Sporting vai ao Paços dar 2-0. A defesa a três centrais - Coates, Feddal e Neto - já está estabelecida, assim como os dois laterais: Porro e Nuno Mendes. Segue-se Portimão, onde o Sporting vence, novamente por 2-0. Finalmente, recebe-se o Porto, a 17 de outubro e não vou falar do empate a 2-2 nem do encosto de Zaidu a Pote, do penálti marcado pelo árbitro e revertido pelo VAR. Não interessa. Os leões venceram o Santa Clara nos Açores e a partida em atraso com o Gil Vicente. Goleia o Tondela e o Guimarães (ambos por 4-0) e vence o Moreirense, mais modestamente, até chegar o escândalo de Famalicão… Pronto, foi um escândalo. Está dito. Anular o golo de Coates foi de catedral - e houve mais escândalos nesse jogo e noutros. Ainda no último, contra o falso Belenenses, o penálti marcado, que Adán defendeu, mostrou do que se é capaz. Dois dias depois, apesar de o guarda-redes do Benfica apanhar o pé de um avançado do Portimonense, o jogo seguiu. E estes exemplos que dou, são indicados, igualmente, por especialistas em arbitragem. Por isso mesmo, este andamento é vivo, mas cuidadoso. Não só por causa da arbitragem, mas também pelo facto de as outras equipas começarem a ter antídotos para a nossa forma de jogar. Viu-se com o Farense e o B-SAD; o jogo que temos com o Braga, depois de amanhã, é um enorme teste.
Mas vamos superá-lo! E não nos esqueçamos do provérbio: candeia que vai à frente, alumia duas vezes… sem com isso descuidar o trabalho, o esforço, a dedicação e a devoção.
Bom Ano a todos e saudações leoninas para aqueles que as aceitem.