Nós e os alemães
Tentei perceber as razões pelas quais toda a gente à minha volta andava a festejar a eliminação da Alemanha do Mundial. Fi-lo porque me parecem escassas aquelas explicações, fáceis e com origem nos nossos conceitos de justiça social, que nos levam a apoiar o perdedor esperado, o underdog, e por inerência a repelir o mais forte. Por aí tudo bem, porque os alemães são certamente mais consistentes no futebol e, para o caso, alardeiam ainda o título de campeõe do mundo. Terá sido, de qualquer forma, somente por tal? A razão parece-me mais profunda.
Aplaudimos os desaires germânicos por razões que na verdade têm menor relação com o futebol do que indiciam. Porventura até nada terão a ver com o jogo e por isso revolvem em nós conceitos que aludem não apenas ao domínio económico dos alemães na Europa (recentemente frisado pela crise), mas que vão até ao imperialismo nazi. O incómodo desses estigmas perturba ainda, o que se entende, porém o modo como se enredeia com o futebol forma um nó mais difícil de desatar, particularmente num país, o nosso, que sofreu a mais longa ditadura da Europa, terminada há bem menos tempo do que derrotado o nazismo - e imposta por concidadãos, não por alemães... - e no qual, coerentemente, já deveria habitar um povo com entendimento para separar as coisas do futebol das outras.
Não somos só nos a celebrar as derrotas alemãs no futebol, descansemos. Os ingleses ainda cantam nos estádios «Two world wars and one world cup!» sempre que os defrontam, aludindo às guerras e ao Mundial de 1966.
Estas sobreposições do desporto à história são recorrentes, afinal, mas de vez em quando será útil tentar reenquadrar os sentimentos que o futebol reaviva numa lógica. Procurá-la, por difícil que seja. A resposta talvez esteja justamente nessa dificuldade: quanto mais pensamos na razão, menos causa evidente temos para torcer, hoje, contra os alemães.