Nexos de causalidade para ‘saída limpa’
1 - Na relação entre causas e efeitos, a dúvida não está, muitas vezes, na sua concretização, mas mais no tempo de ela acontecer. Por outras palavras, a questão não é tanto o se, mas muito mais o quando.
Vem isto a propósito da crescente insignificância dos clubes portugueses nas competições europeias. Há um nexo de causalidade entre as más práticas internas e os resultados externos. Bem sei que, na aleatoriedade do jogo jogado, se pode disfarçar durante mais ou menos tempo o que à vista de todos são as causas de debilitação competitiva. Adaptando aqui a célebre asserção do presidente Abraham Lincoln, os clubes portugueses podem disfarçar a fraqueza durante algumas épocas, podem mesmo enganar alguns prosélitos todas as épocas, mas, não é possível iludir sempre todos, durante todas as épocas.
Entre os muitos modelos de causalidade, há pelo menos dois que se aplicam ao que se passou na quinta-feira negra da saída limpa dos clubes portugueses: o efeito dominó e o circulo vicioso. O primeiro tem a ver com o abaixamento do ranking dos clubes, os montantes a receber como prémio de presença, piores sorteios em potes mais desfavoráveis, efeitos no prestígio e na capacidade transaccional futura, desvalorização de jogadores, agravamento da situação de falência técnica do FCP e SCP. Quanto ao segundo, e apesar da melhoria a acontecer em 2021/2022 por força de uma presença ainda mais negativa dos clubes russos, é legítimo prever que, desta feliz circunstância, venha a resultar uma maior dificuldade global do desempenho das nossas equipas, e consequentemente de uma menor representatividade futura, e assim sucessivamente.
2 - Longe de ser exaustivo, gostaria, aqui, de apenas referir alguns pontos que têm contribuído, directa ou indirectamente, frontal ou larvarmente, para esta relação de causa-efeito. Há, evidentemente, múltiplas causas que estão no centro do furacão perdedor a nível internacional, algumas das quais dificilmente são revertíveis, como é o caso de os nossos melhores atletas migrarem para ligas mais exigentes e retributivas. Aliás, é isso que explica a aparente contradição entre a decepção dos clubes e o bom desempenho da Selecção, na qual há apenas residualmente jogadores da nossa Liga. Mas também há jogadores que foram dispensados e que têm feito excelentes carreiras por outros países (o exemplo mais elucidativo são os portugueses do Wolves), trocados por jogadores estrangeiros apenas sofríveis e bem mais caros. Isto é o reflexo de, na construção de planteis, ser dominante o papel excessivo da intermediação e do seu principal objectivo de gordas ou multiplicáveis comissões.
Outro ponto importante tem a ver com a mentalidade que, por cá, faz lei. Entretidos que andamos com as nossas fracas competições internas, não damos conta que, noutros países, se aprende a trabalhar com uma atitude bem diferente. Muitas equipas que nos derrotam conseguem-no, não porque, em tese, tenham jogadores mais habilidosos e dotados, mas porque lhes são incutidos propósitos fundamentais de intensidade e concentração, tais como o do primeiro minuto ser igual ao último, o não haver estados de alma de vitórias a meio de um jogo ou de derrotas praticamente consumadas. Foi assim, aliás, que o Sp. de Braga foi eliminado quando, com 2-0 em Glasgow, entrou em fase de descompressão contra uns desajeitados escoceses, que mesmo com esse resultado não desistiram e não olharam para os ponteiros do relógio.
Também noutros campeonatos não há lamúrias constantes de se jogar de 3 em 3 dias que aqui se ouvem amiúde, como se profissionais muito bem pagos tivessem de ter somente um jogo por semana.
Esta saída das equipas portuguesas da segunda divisão europeia evidencia outros aspectos negativos. Há jogadores medianos ou até medíocres, como vimos agora nos seus adversários, que lutam desalmadamente, correm sem aparente cansaço, jogam simples, acreditam sempre até ao fim. Foi assim que uns ceguinhos turcos de um clube de que jamais conseguirei dizer o nome deu quatro ao Sporting. Foi assim que uma mediana equipa alemã deu um notório baile à equipa de Sérgio Conceição e um ignoto clube russo, o Krasnodar, a eliminou com três golos no Dragão.
3 - Outra vertente que ainda não foi superada, salvo excepções episódicas, é a de se pensar diferentemente consoante as partidas são em casa ou fora, em regra jogando-se defensivamente no campo do adversário e tudo apostando no jogo no seu reduto. Uma equipa que queira ter uma boa carreira europeia não pode pensar assim. Para se ter um estatuto categórico, não se podem encarar jogos fora de casa temerosamente. Onde chegariam Bayern, Liverpool, Barcelona e outras equipas a jogar assim? O Benfica foi eliminado não tanto na Luz (onde fez um jogo até razoável e desperdiçou os dois momentos em que esteve apurado), mas porque jogou medrosamente na Ucrânia, e, ao invés, o Shaktar veio à Luz (ainda que com alguma felicidade nos momentos em que virou a seu favor a eliminatória), sempre com os olhos na baliza encarnada. E o Bayer Leverkusen ganhou no Dragão, com a forte mentalidade de que tanto faz estar a jogar em casa ou fora dela. Por outro lado, a regra ainda existente - e, a meu ver já injustificada - de um golo fora poder desempatar um confronto a duas mãos, leva a que, quando a primeira mão é em casa, haja mais o temor de sofrer do que a vantagem de marcar. Também nas estafadas conferências de imprensa antes dos encontros, se fala mais do valor (medo) dos adversários do que da competência das suas equipas, seja o confronto com o campeão europeu ou com … o Carcavelinhos.
A competitividade (?) doméstica não prepara os nossos europeus para os jogos da UEFA. De facto, o título é, cada vez mais, uma luta a dois, às vezes com a intromissão do SCP. Depois, temos o SC Braga, o Vitória Sport Clube e mais uma ou outra equipa que se destaca numa ou noutra temporada. Sobram dez, onze equipas que jogam sobretudo para não descer de divisão e para as quais qualquer 0-0 é bem-vindo. E a inércia corporativa mantém uma injustificável divisão com 18 clubes, em vez de uma profunda reforma para reduzir o seu número e aumentar os confrontos entre os melhores. Por isso, não admira que nestes 1/16 avos, em oito jogos, os quatro clubes, perderam seis, empataram um e venceram um outro, e sofreram 19 golos (!). E, nesta temporada, a acção europeia do Benfica e FC Porto resumiu-se assim: SLB, 8 jogos, 2 vitórias, 2 empates e 4 derrotas, 14 golos marcados e 16 sofridos. FCP, 10 jogos, 4 vitórias, 1 empate e 5 derrotas, 13 golos apontados e 17 consentidos.
4 - Há, ainda, a magna questão da arbitragem. Nas competições da UEFA, temos futebolistas que fazem jogos com a ilusão de que estão no nosso campeonato. Mas logo se apercebem quão diferente é tudo. Cá joga-se através da arbitragem, lá luta-se sem dela depender. Não se vêem discussões sobre as decisões arbitrais, nem a pressão à volta dos árbitros que, aqui, se banalizou. Os artistas que por cá abundam, com perdas de tempo, falsas lesões, simulação de faltas, percebem que, na estranja, tais práticas batoteiras não compensam. Imagino o que, por exemplo, aconteceria no jogo no Porto, se fosse uma partida interna. Mal-habituados com certos VAR habilidosos, o que se discutiria com o primeiro golo dos alemães invalidado e depois validado? Ou com tentativas de penáltis que, lá fora, não ousam fabricar? E alguém cá se atreveria a expulsar o avançado Soares que deu uma cotovelada num adversário? Ou mandar repetir um penálti, neste caso contra o FCP?
5 - Tudo isto é potenciado pelo circo comentarista que grassa em certos programas dos canais noticiosos CMTV, SIC N e TVI 24, com a honrosa excepção do canal público RTP 3. Há de tudo, em algumas personagens ligadas aos clubes e até jornalistas que se fingem equidistantes (que não todos, evidentemente): ambiente conspirativo, elogio da mentira e da batota, descoberta de casos levados à apoplexia pretensamente especulativa, impropérios e fingimentos de zangas para aquecer o ambiente e garantir audiências, empanturrados escrutínios arbitrais com imagens, ampliações e frames de toda a espécie, ruido de tasca em que ninguém ouve ninguém, palhaçadas e disputas clubísticas obsessivamente doentias, excitação em dizer mal dos outros como principal base de argumentação, gozo de serem ou de se acharem populares no café dos seus tifosi, indução de rancores depois ampliados pelas redes sociais.
E, claro está, para falar de futebol propriamente dito, não há tempo, nem interesse dos canais, pois o que interessa é estimular toxicamente o futebol-ópio. Continuem todos nesse caminho e depois não se queixem ou se armem em sereníssimos Pilatos…
P.S. uma última linha a tempo de parabenizar os 116 anos do Sport Lisboa e Benfica, alcançados no passado sábado e de lhe agradecer as tão saborosas e inesquecíveis alegrias que me deu ao longo da minha vida e também alguns momentos de tristeza que também me ajudaram a amar ainda mais o meu clube.