Não há soluções milagrosas para Enzo
Cada dia que passa sem solução à vista, torna o problema maior para o Benfica, para o seu treinador e para o seu perturbado jogador
ADMITO que não se conheçam todos os dados sobre a negociação de Enzo com o Chelsea e do Chelsea com o Benfica. Na ausência de confirmação de alguns factos essenciais, compete-nos juntar os factos acessórios e começar a construir um puzzle.
É seguro que o Chelsea ficou deslumbrado pela possibilidade de conseguir o melhor jovem futebolista no último Campeonato do Mundo. Porque Enzo é, de facto, um jogador de grande classe e ainda tem muito para crescer, e porque o futebol é um negócio global, os grandes clubes ingleses são, basicamente, empresas altamente profissionalizadas e percebem que além do valor desportivo de um jogador existe um valor, não totalmente mensurável, ligado ao título de melhor jovem do Mundial do Catar e a um dos jogadores mais influentes, apesar dos seus 21 anos de idade, na conquista do título argentino de campeão do mundo.
Mas o futebol tem os seus ritmos, o seu tempo, a sua oportunidade e a ansiedade, no início, manifestada pelo Chelsea, deu lugar a um tempo de alguma reflexão que levou a esfriar a euforia. Pode ter havido pressões até de outros clubes ingleses que manifestaram preocupação pela possibilidade de uma transferência de tão elevado valor tornar desproporcionado e inflacionado todo o mercado, pode ter havido pressões de outros agentes internacionalmente influentes, pode, apenas, ter havido um arrefecimento racional no entusiasmo dos patrões do clube.
Tudo isto já seria mau para o Benfica que via esfumar-se a oportunidade de fazer um negócio histórico, mas pior se tornou quando o Chelsea meteu a marcha atrás, procurou negociar o desconto de janeiro, colocou em cima da mesa outras formas de pagamento, que incluíam jogadores cujo vencimento, mesmo que repartido entre os clubes, causaria mais do que prováveis divisões no plantel.
Enzo Fernández, médio de 21 anos
O nó apertava-se, tornava-se mais difícil de desatar e por isso surgiu a decisão de colocar o jovem jogador no tabuleiro de xadrez, como uma peça que podia ser movimentada em função do interesse óbvio do seu agente e do clube inglês. Por isso, logo a seguir ao jogo de Braga e contrariando ordens do clube e do treinador, Enzo meteu-se num avião, foi passar o fim do ano a Buenos Aires e, numa atitude provocatória, postou várias fotos com o seu empresário em momentos de diversão.
Em consequência desta desautorização provocada pelo jogador, o Chelsea ganhou força na sua posição negocial e a isso Rui Costa respondeu com uma decisão fria e objetiva, apoiada pela opinião de Roger Schmidt: «Aconteça o que acontecer, Enzo só sairá pela cláusula de rescisão.» É uma posição firme, sim, mas nada que resolva o problema maior e que já foi apontado pelo treinador alemão: «O Chelsea tenta enlouquecer o jogador.» O que na prática quer dizer que o jogador já não tem a cabeça em Lisboa, nem no Benfica. É um jovem de 21 anos, naturalmente deslumbrado, que reage negativamente a quem o impede de concretizar o sonho de viver as mil e uma noites num palácio dourado.
É o que se pode chamar um imbróglio e o pior é que todos os protagonistas sabem que, neste momento, chegada a situação onde chegou, não há soluções mágicas, nem milagrosas. A partir de agora, é aceitar que todos terão de perder alguma coisa. A começar pelo Benfica, que pode ter de decidir perder o jogador, para não perder o dinheiro e não voltar a ganhar Enzo. É uma situação muito difícil. Deveria ter sido resolvida no momento em que não podia haver hesitações, mas não foi e, agora, cada dia que passa torna o problema maior para o Benfica, para o seu treinador e, evidentemente, para o jovem jogador.
DENTRO DA ÁREA – BENFICA, A BOA E A MÁ NOTÍCIA
A boa notícia para os benfiquistas é que a equipa regressou às vitórias. A má notícia é que o próximo adversário é o Sporting e não tem a tolerância competitiva do Portimonense. Uma equipa de futebol de alta competição não pode desperdiçar tantas oportunidades de golo. O Benfica foi demasiado perdulário para poder exaltar a exibição e o regresso a uma saudável atitude competitiva e intensidade no jogo. Falta sentido de golo a esta equipa e percebe-se mais essa sua fragilidade quando não joga Rafa e Enzo Fernández.
FORA DA ÁREA – TER DE VIVER COM A LATA DA CASA...
Portugal tem um problema muito sério e que vai muito para além dos casões, casos e casinhos de que fala António Costa. Os nossos melhores quadros, os mais competentes, os que poderiam garantir altos níveis de qualidade nas funções ministeriais estão no estrangeiro, ou em Portugal, em grandes empresas, onde ganham vinte vezes o ordenado de ministros. Se ainda fosse como na Seleção Nacional, podíamos selecioná-los e pô-los a jogar nas decisões da vida dos portugueses. Mas não é e assim temos de viver com a lata da casa.