Não há mais desculpas
Em relação a um ponto estarão os adeptos todos de acordo com Rui Costa: «Um clube da dimensão do Benfica não pode estar fora da Liga dos Campeões»
C OMO qualquer pessoa de boa fé esperaria, a recontagem de votos referente ao último ato eleitoral do Benfica, realizado em outubro do ano passado e que deu vitória clara a Luís Filipe Vieira, resultou numa mão cheia de nada. Não terá sido um primor em termos de organização, assinalaram-se pequenos lapsos que, naturalmente, serão corrigidos em situações futuras, mas, no essencial, ficou demonstrada a ausência de razão de quem espalhou a suspeição aos quatro ventos.
Entretanto, a vida deu uma grande volta e o presidente eleito na altura, com mais de sessenta por cento de votos, foi obrigado a renunciar ao cargo por motivos de todos conhecidos, vai preparar a defesa perante a justiça e assumir as suas responsabilidades, se for caso disso. Para já, o processo ainda está naquela fase do julgamento em tribunal de rua, em que os indícios vão regando a curiosidade pública no sistema de gota a gota, uma estratégia pensada para durar e muito apreciada em período de férias por avivar as conversas à hora do jantar.
Engraçado, ou não, é que os mesmos que tamanha preocupação revelaram quanto à necessidade de recontagem de votos se tivessem desinteressado do cabal apuramento da verdade, primando pela ausência com base em argumentação que a declaração feita pelo presidente da Mesa da Assembleia Geral reduz a um monte de cinzas: «Todas as urnas encontravam-se com todos os selos em perfeito estado, facto que atesta que nenhuma urna foi objeto de qualquer tentativa de abertura e a chave, que permitiria a abertura de qualquer uma, encontrava-se em envelope também devidamente selado.»
As palavras de António Pires de Andrade, além de esclarecedoras e tranquilizadoras, estão respaldadas na colaboração de empresas especializadas, cujos nomes foram divulgados, e colocam o ponto final nesta esfarrapada história, mas não devem ser suficientes para proteger a águia da intriga e da discórdia até ao próximo ato eleitoral. Porquê? Muito simples, Vieira pode ser visto agora como o maior pecador sobre a terra, mas deixa no Benfica uma obra fantástica e uma herança que todos querem apanhar.
A propósito de eleições, Rui Costa, na primeira entrevista como presidente, à TVI, deixou os interessados confusos, ao dizer nem que sim, nem que não quando questionado sobre a sua vontade de candidatar-se. Tem tempo para pensar sobre o assunto porque não é questão prioritária. Mais importante, em sua opinião, é recuperar a estabilidade, preparar a época desportiva e criar condições para o clube voltar a ser ganhador. Ou seja, os que pensavam que ele é um totó, como diz o outro, ficaram desconsolados, sem onde se poderem agarrar para justificar a campanha caluniadora da sua imagem, seja de que maneira for, como tem feito, por exemplo, o grupo do costume e alguns seguidores.
Rui Costa espantou pela prudência nas respostas, pela coerência no discurso e pela lucidez na estratégia comunicacional, deixando de mãos a abanar os especialistas na matéria, os quais estariam à espera que não fosse capaz de debitar mais do que um arrazoado desconexo e ridículo para o desancarem sem dó nem piedade, como gostam de fazer os chamados falsos fortes.
Como não se comportou como nenhum totó, pelo contrário, foi censurado por causa disso mesmo. Enfim, é a vida. A verdade é que teve um discurso que, no mínimo, alertou o adepto anónimo para não se deixar capturar nas teias manhosas das redes sociais, para pensar pela sua cabeça e decidir consoante o que a consciência lhe ordenar. Mensagem que, obviamente, não agradou a oportunistas e vendedores de ilusões.
O atual presidente não eleito, mas legal, foi arguto na forma como se referiu aos arautos da desgraça, considerando como valores supremos a defesa dos interesses do clube e a transparência. Neste sentido, apontou o dedo aos beatos da paróquia encarnada e assegurou não ter más práticas a confessar. Se terá assinado documentos duvidosos, de certeza que não, afirmou.
Acredita quem quiser, desconfia quem não se revelar convencido, mas os adeptos, independentemente das posições que defenderem, pelo menos em relação a um ponto estarão todos de acordo com Rui Costa: «Um clube da dimensão do Benfica não pode estar fora da Liga dos Campeões.»
Não pode, é uma evidência, e amanhã joga-se a primeira mão da 3.ª pré-eliminatória da Champions diante do Spartak de Moscovo, treinado por Rui Vitória, o mesmo que Jorge Jesus achincalhou, a ele e ao emblema da águia, ao dizer o que disse.
Sporting e FC Porto tiveram entrada direta na Liga dos Campeões. O Benfica, não. Foi o que foi, não vale a pena carpir mágoas sobre o que não tem remédio, mas, no momento presente, com o resultado do sorteio do play-off já conhecido, creio que Jorge Jesus não tem mais campo de manobra para se esconder atrás de desculpas. Podia ser melhor, pois podia, mas também podia ser pior. É assim em todos os sorteios.
Não se lhe pede o impossível, tão somente que neste mês de agosto, em duas eliminatórias preliminares, perante oponentes do seu campeonato, coloque o Benfica onde deve estar e de alguma forma contribua para lhe devolver a paz, a confiança e a esperança em dias melhores.