Não basta atacar a crise com bazucas

OPINIÃO13.03.202106:00

Nenhuma bazuca, por maior que seja, ganhou uma guerra. É preciso estratégia, método e rigor para a ganhar. No desporto não é diferente

N ÃO gosto do termo que, de repente, ganhou um significado europeu comum de ajuda financeira à crise provocada pela pandemia. Consola-me não ser o único. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo, recusa-se a usá-lo no seus discursos oficiais ou, mesmo, oficiosos. E faz bem. Uma bazuca é uma arma de guerra anti-tanque. Um lança foguetes explosivos. Percebe-se a ideia de um ataque de dimensão bélica a um vírus que matou milhões de seres humanos em todo o mundo e que arrasou as economias mais saudáveis. Trata-se, de facto, do pior inimigo comum.
No entanto, se levarmos a expressão à letra e se olharmos a História, constatamos que nenhuma bazuca, por maior que seja, ganhou uma guerra.
A bazuca pode ser, pois, uma arma eficiente, mas de nada nos servirá se os nossos comandantes virem a guerra sem uma estratégia consciente, sem um planeamento rigoroso para as batalhas que ainda aí vêm.
A chamada bazuca europeia, se for bem utilizada em Portugal, pode trazer-nos uma importante folga para o investimento e a recuperação ordenada e orientada da nossa economia. Mas há o risco de ser usada como mera despesa, como um utensílio de captação de apoios políticos, de satisfação de interesses lobistas, de liquidação de dívidas das mais diversas espécies. Espera-se que esse erro secular em Portugal não se repita e que o dinheiro injetado não vá direto aos problemas, mas às soluções.
Ora o Governo, através do ministro da educação, Tiago Brandão Rodrigues, anunciou a bazuca desportiva. No total, serão 65 milhões de euros para remediar prejuízos. Entenda-se a questão: os prejuízos que a pandemia causou ao desporto português, tanto na sua execução, como no dramático bloqueio à formação inteira das mulheres e dos homens deste país, nunca poderão ser remediados. Por isso, a distribuição de 65 milhões de euros, repartidos por clubes (a fundo perdido) e por federações desportivas nacionais (empréstimos a cinco anos, com juros simpáticos) pode ser uma excelente notícia ou uma notícia irrelevante para o crescimento do desporto nacional. Tudo irá depender da forma como cada entidade subsidiada saberá utilizar o dinheiro que lhe chegar. Com ideia de investimento e de estratégia ou com uma ideia fixa de gastar o dinheiro para manter, a todo o custo, estruturas obsoletas ou apenas cumprir contas por saldar.
Dirão, certamente, muitos dos contemplados que o dinheiro que irá ser injetado é muito pouco em função das necessidades. Repetirão o mesmo que os setores da economia, da cultura, da saúde. O Governo contrapõe que está a fazer um enorme esforço e que Portugal não é um país rico, o que é uma verdade incontornável.
A questão torna-se, por isso, viciante. Todos têm razão, mas não deixam de ralhar em casa. Em particular no desporto, calculo que Tiago Brandão Rodrigues não tenha tido vida fácil na discussão com o ministro da finanças e que salvar 65 milhões para o desporto tenha sido, para ele, uma vitória retumbante, que poucos entenderão como difícil foi de obter.
Sob risco de entrarmos numa discussão repetitiva e inócua, voltemos ao essencial. Pouco ou muito, o desporto tem obrigação de saber usar o dinheiro que lhe chegar. Com método, com rigor, como antes disse, com estratégia. Em circunstâncias contrárias, por muito dinheiro que chegue, será pouco. O que verdadeiramente importa é saber como e onde investir. O que realmente conta é a eficácia da gestão das verbas atribuídas. Neste particular, o nosso histórico é dececionante. Vamos conseguir, agora, provar o contrário?

Porto regional e Porto nacional

Tirando algum bando de fanáticos, aos quais Sérgio Oliveira lamentavelmente deu importância, a excecional vitória desportiva do FC Porto, ao eliminar a Juventus, em circunstâncias muito adversas, foi certamente celebrada no país inteiro. Há, nisto, uma contradição que pode parecer insanável. Um clube que se afirma regional, no sentido de representar uma região, ter, no seu sucesso, uma celebração nacional. De facto, só é contraditório na medida em que alguém achar que o FC Porto é representante de uma região contra todas as outras.

Tragicamente histórico... 

Portugal desconfina e os portugueses desconfiam. Ou seja, desconfinamos e confiamos a conta-gotas. Apesar de tudo, é um avanço. Melhor do que a enxurrada de críticas dos setores mais atingidos pela impiedosa crise, que enchiam os jornais televisivos de protestos, antes e depois do intervalo das imagens de braços picados para a toma de vacinas. Todo o mundo, não apenas este cantinho à beira mar plantado e que os ingleses tanto amam como odeiam, vive, há um ano, sob a ditadura de um vírus. Tragicamente histórico.