Na rota de Mourinho
Abel Ferreira grita, aplaude, agradece aos jogadores e chora, por ser um homem de família.A solidão dói, mas é assim a vida de um treinador do mundo
A18 de dezembro de 2016, chamado de urgência por António Salvador para preencher o vazio no comando técnico do Sporting de Braga, entre a saída de José Peseiro e a entrada de Jorge Simão, Abel Ferreira, então a trabalhar na formação secundária, apresentou-se em Alvalade à frente da equipa principal do emblema minhoto para defrontar o Sporting, na altura treinado por Jorge Jesus.
O SC Braga foi o vencedor, por um-zero (golo de Wilson Eduardo), subiu ao terceiro lugar e o Sporting desceu para a quarta posição classificativa. Na conferência de Imprensa, perante os jornalistas, Abel Ferreira, que fora despedido por Bruno de Carvalho, por razões nunca explicadas, e quando se admitia que pudesse aproveitar a oportunidade para dizer umas quantas coisas, deu notável exemplo de humildade e fidalguia.
Foi elegante nos reparos que fez e de uma ironia subtil quando, apesar da vitória, recusou falar na primeira pessoa porque, para ele, nos momentos bons e maus que o futebol proporciona, é sempre o nós que tem valor.
NO título da minha crónica a seguir ao jogo, há mais de quatro anos, escrevi que foi bela a lição de Abel e verifico com prazer que aquele Abel é o mesmo de hoje, autêntico, com projeção intercontinental, mas fiel aos seus princípios de vida, com respeito pelo próximo e por ter a consciência plena de que o seu sucesso é o resultado da comunhão de muita gente que o aceita e confia no caminho que lhes indica.
O mesmo Abel que, antes da final, agradeceu a um treinador português que atravessou o Atlântico e «abriu as portas para nós», referindo-se, obviamente, a Jorge Jesus.
O mesmo Abel que, em trabalho assinado pelo jornalista Plínio Fraga e publicado na Revista do Expresso, se considerou discípulo de Jesualdo Ferreira.
O mesmo Abel que, sem preconceitos, declarou que antes da meia-final com o River Plate falou pelo telefone com Jorge Jesus e ouviu deste a certeza de que «outro português estará na final da Libertadores».
TUDO isto faz sentido, porque, como refere, os treinadores são um pouquinho ladrões de ideias, que cada qual adapta às suas realidades.
Abel Ferreira grita, aplaude, agradece aos jogadores e chora, por ser um homem de família. A solidão dói, mas é assim a vida de um treinador das novas gerações que quer ganhar. De Leonardo Jardim a Paulo Sousa, de Vítor Pereira a Nuno Espírito Santo, de Luís Castro a Paulo Fonseca, de Carlos Carvalhal a André Villas-Boas, de Sérgio Conceição a Rúben Amorim reconhecem que o País é pequeno de mais para todos acolher e sabem que a única solução que lhes resta é seguir pela rota de Mourinho, que foi quem impôs o treinador português além fronteiras.
Depois de José Mourinho (duas Ligas dos Campeões Europeus, uma Taça UEFA e uma Liga Europa), Artur Jorge (uma Taça dos Campeões Europeus), André Villas-Boas (uma Liga Europa) Manuel José (quatro Ligas dos Campeões Africanos e quatro Supertaças da CAF) e Jorge Jesus (uma Taça dos Libertadores), Abel Ferreira, igualmente vitorioso na Libertadores, é o sexto treinador luso a conquistar um título continental por clubes e a robustecer o prestígio do nosso futebol no mundo.
Pedro Pepa na linha de Abel
A penúltima jornada da primeira volta conclui-se esta noite, fruto da ginástica que tem de ser feita para encaixar os calendários em período de tempo encolhido, por força da pandemia.
Diz-se que dos fracos não reza a história, mas não é bem assim. Há exemplos que contrariam essa pressuposição e, no presente campeonato, o Paços de Ferreira, à semelhança do que foi o Famalicão na época transata, tem sido o fraco cheio de força que contraria essa lógica determinista, escrevendo a sua própria história: de clube pequeno, de uma cidade menor, mas com a mesma dignidade dos clubes grandes, das cidades maiores. Além de ser um emblema simpático que tem evoluído dando os passos certos, sem se desequilibrar.
O meu jovem companheiro Pedro Maia, um dos comandantes nas noites de A BOLA TV, já me falara, em mais de uma ocasião, com enlevo, do Paços, da sua carreira no campeonato e do papel de Pedro Pepa. «É boa gente», diz em jeito de ponto final com que sempre teve o cuidado de concluir as suas meteóricas observações entre uma peça televisiva e a seguinte.
Tem razão, também eu tenho um carinho especial pelo Paços, desde os tempos de José Mota, quando se brincava que ele até podia orientar os treinos da varanda de casa.
Já andou pela Europa, já foi ao Jamor disputar a final da Taça de Portugal, com o FC Porto, já desceu e subiu de divisão e esta noite, continuando a crescer nas bermas do vento, se o jogo lhe correr de feição, pode manter-se garbosamente no quinto lugar da classificação. Sem ponta de favor, apenas pela competência de uma vasta equipa que tem no topo da pirâmide um jovem senhor treinador chamado Pedro Pepa. Na mesma linha de Abel Ferreira: construir a carreira a pulso.