Na ‘ponta da navalha’, diz Jesus

OPINIÃO26.06.201804:28

O futebol profissional do Benfica apresenta-se ao trabalho depois de amanhã, um pouco mais cedo do que lhe é habitual por força da participação nas fases de acesso à Liga doa Campeões (3ª pré-eliminatória e play-off). É assim que se castigam os alunos pouco diligentes, que reprovam em exames de passagem de ano, destroçam estratégias e falham metas que tinham o dever de alcançar.

A nação benfiquista ficou irritada com a perda do penta.  Dessa irritação emergiu uma vaga de desconsolo e de indignação que tão depressa não passará, apontando-se o dedo acusador - para quê virar a cara para o lado… - na direção de Rui Vitória por se ver nele o empecilho-mor, a quem terá faltado a ousadia necessária para arriscar tudo e jogar no limite no clássico com o FC Porto, em que Herrera, com o seu espantoso remate, e consequente golo, deu cabo da festa encarnada.

Luís Filipe Vieira não encontrou melhor argumento para serenar o ambiente na última assembleia do clube, indisfarçavelmente azeda de cada vez que se falava de Vitória. Não só assumiu a paternidade de todas as culpas, como informou que o treinador vai ter os jogadores que lhe pediu.

«É o nosso treinador, já nos deu muitos títulos. Este ano esteve à beira de nos dar outro», acentuou Vieira. O problema é que não deu e isso faz toda a diferença. Todos os títulos são especiais, mas este era mais especial do que todos os outros, de aí que a dor demore mais tempo a desaparecer, e não haja a menor dúvida de que se tornará aguda, insuportável até, entre os adeptos menos tolerantes, se fracassar o primeiro objetivo da temporada: a entrada na fase de grupos da Liga dos Campeões.

As contas são fáceis de fazer. Sem conquistas expressivas não se geram boas receitas e sem dinheiro não pode haver investimento no plantel.

Em 2015/2016, já no consulado de Rui Vitória, o Benfica atingiu um máximo de prémios na Champions, na ordem de 36 milhões de euros, em contraposição à vergonha de 2017/2018, o pior resultado desportivo de sempre - zero vitórias, zero pontos, zero golos -, a que correspondeu somente uma retribuição presencial de 12,7 milhões.

Na próxima época, devido às alterações introduzidas pela UEFA, valorizando sobremaneira a Champions, a questão reside, para começo de conversa, em garantir ou não 43 milhões de euros. É muito dinheiro! E aqui se levanta um dado interessante que confere aos treinadores um estatuto de exceção: se perdem é porque não tiveram condições de trabalho ou não lhes deram os jogadores que pretendiam, são as desculpas mais à mão; quando as exigências são satisfeitas de igual modo sacodem a água nos insucessos, com  frequente recurso  a supostos erros de arbitragem ou outros mistérios da natureza. Deve haver, mas não me recordo de um treinador culpar-se publicamente por ter falhado um título. Culpar-se mesmo!

Rui Vitória  acolhe  a nova época na ponta da navalha, utilizando uma expressão de Jorge Jesus à partida para a Arábia Saudita, dita em determinado contexto e sem segunda intenção, creio, o que não quer dizer que não possa ser encarada como mensagem com efeito retardador. 

Jesus não quer falhar este primeiro desafio além fronteiras, mas confessou o desejo de voltar a casa tão depressa quanto possível, o que, em função de várias circunstâncias, pode retirar pressa à pressa.

Por outro lado, ele compreende muito bem que se quiser ser o treinador português mais vezes campeão nacional a história sugere-lhe  que o regresso ao Benfica será  a solução mais inteligente, mas isso são contas de outro rosário…

Os treinadores  utilizam os primeiros meses de  cada época para justificarem  desempenhos medíocres com a ladainha do costume, de que se destaca, pelo ridículo, as contas só se fazem no fim. Desta vez, porém, toda essa panóplia argumentativa está vedada a Rui Vitória, a quem compete preparar o plantel para atacar o dealbar da nova época em alto rendimento. 

No mínimo, deve ter a consciência dos imensos aborrecimentos que irá provocar ao presidente se não acertar com a porta de entrada na Champions. 

Vieira segurou Jesus quando ficou a 21 pontos do FC Porto, em 2011, e anos seguintes, em que Campeonatos nem vê-los. Com certeza que vai apoiar sempre Vitória, mas convém que este faça um esforço no sentido de merecer a absolvição do tribunal da Luz.

Nota - Até parece coincidência. Bruno de Carvalho é expulso de cena e, no mesmo dia, o pais futebolístico volta a ser agitado por  denúncia anónima provinda do Porto: mais uma busca ao Benfica e a outros clubes.