Murro ou trauma 5

OPINIÃO14.01.202120:31

Se o espetro de uma inédita quinta derrota consecutiva com o FC Porto não for capaz de espicaçar o orgulho benfiquista, então o problema é profundo.

F C PORTO-BENFICA, parte II. Há pouco menos de um mês, em Aveiro (Supertaça), o FCP ganhou de forma autoritária (2-0) sem precisar de fazer um grande jogo - apenas q.b. - e o lateral espanhol Grimaldo, no final do jogo, tocou no ponto - «faltou-nos personalidade». Luisão foi um bocadinho mais longe na análise ao que faltou aos encarnados, mas não terá andado longe do essencial. Atitude - ou falta dela -, eis o que faltou ao Benfica e tem sido, em nossa opinião, a grande diferença entre os rivais desde que Sérgio Conceição aterrou no Dragão. Numa palavra: o FC Porto é mais competitivo que o Benfica. Combate com mais intensidade, nunca vira a cara à luta e esperneia até ao fim quando as coisas não lhe correm bem (como ontem na Choupana, onde evitou in extremis a eliminação da Taça). É uma equipa orgulhosa, agressiva, de grande fôlego atlético (músculos a ranger, pulmões a arfar), que nunca se furta ao choque - pelo contrário. Do ponto de vista estético, o futebol do FCP está muito longe de ser atraente. O futebol do Benfica com Jorge Jesus será tendencialmente mais tecnicista e vistoso, mas também mais macio e menos contundente do ponto de vista atlético. Falta-lhe, de um modo geral, fúria, intensidade, determinação nos lances divididos. Mentalmente, a equipa está muito longe de ser uma fortaleza: vacila quando é pressionada e, no aspeto do compromisso, é muito dada a intermitências. No duelo de Aveiro com o FCP, notou-se a velha inibição psicológica (vem muito de trás) que o Benfica ainda não conseguiu resolver. Miguel Sousa Tavares costuma dizer que o Benfica «tem medo» de jogar com o FC Porto. Vou mais pelo comentário do médio colombiano Uribe no rescaldo da Supertaça: «Viu-se que queríamos mais ganhar o jogo.» A tal questão de atitude. Mais determinação. Mais vontade de.
Os duelos com o Benfica, por tradição antiga, têm o condão de convocar as mais temidas características bélicas portistas, independentemente da maior ou menor qualidade do plantel. É claro que o FCP não ganha sempre (há dois anos até perdeu os dois jogos do campeonato), mas é um facto que ganha a maior parte das vezes. A tendência do clássico, nos últimos larguíssimos anos, é claramente favorável aos azuis, seja qual for o local (Dragão ou Luz) e o ângulo de análise. Vejamos: nos últimos dez confrontos, 6 vitórias para o FC Porto, duas para o Benfica; nos últimos 20 jogos, 10 vitórias para o FCP, cinco para o SLB; nos últimos 30 jogos, 16 vitórias para o FCP, sete para o SLB; nos últimos 40 jogos, 20 vitórias para o FCP, dez para o SLB. Note-se que nos últimos 40 anos o Benfica ganhou apenas por quatro vezes no Porto (Antas e Dragão). O padrão tem sido este e Sérgio, diga-se, leva a tradição portista muito a peito: desde que chegou ao Porto, soma 6 vitórias contra duas derrotas em nove duelos com o Benfica, sendo que os quatro últimos caíram todos para o seu lado. Uma sequência que iguala o recorde do clássico de vitórias consecutivas sobre o rival (o FCP conseguiu-o em quatro ocasiões, o Benfica numa) e que Sérgio pode suplantar se ganhar por uma inédita quinta vez consecutiva. Uma marca a que Jesus não quer certamente ficar associado, ele que foi o treinador da maior derrota benfiquista no Porto (0-5 a 7 novembro de 2011) e o treinador da traumática soirée Kelvin (1-2 a 11 maio de 2013), que roubou ao Benfica um campeonato que parecia garantido.
Se o espetro de uma inédita quinta derrota consecutiva com o FC Porto não for capaz de espicaçar o orgulho benfiquista, então o problema é profundo. Jorge Jesus saberá melhor que nós que só um Benfica destemido, orgulhoso e cem por cento disposto à luta tem hipótese de sobreviver à maior competitividade e poder de punch do FC Porto no Dragão. Se o Benfica, ao invés do murro na mesa, abordar o jogo com a atitude de Aveiro -  demasiado macio, demasiado expectante, sempre menos decidido e agressivo que o rival nas bolas divididas - é trauma 5 quase garantido.

R ÚBEN AMORIM terá definitivamente percebido no jogo com o Marítimo que as chamadas segundas linhas do Sporting, por muito talento, irreverência e vontade que ali haja, não chegam para encomendas de primeira linha. As seis mudanças relativamente à Choupana (Max, Plata, Borja, Tabata, Matheus Nunes e Tiago Tomás) deixaram a equipa em défice de maturidade e experiência (apenas Neto, Feddal e Borja acima dos 25 anos; cinco titulares entre os 18 e os 22 anos) e desta vez o contingente mais jovem não conseguiu dar conta do recado - a segunda parte no Caldeirão foi mesmo cinzenta. Quando entrou de supetão a artilharia pesada (Pedro Gonçalves, Sporar, João Mário, Porro, Coates…) já  o mal estava feito: adeus Jamor. Curioso ver a reação sportinguista no próximo jogo (com o Rio Ave), que até pode valer ao Sporting o reforço da liderança no campeonato. Até agora a equipa reagiu bem aos desaires e há desafios muito difíceis (mas também muito estimulantes) até ao final do mês: FC Porto na Taça da Liga, Boavista no Bessa, Benfica em Alvalade. Que o plantel do Sporting não é tão rico e vasto como o dos rivais, já se sabia. Resta saber se o mercado trará alguma novidade a Amorim, uma vez que parece certo que tanto o Benfica como o FC Porto vão reforçar-se. O passo mais lógico dos leões, haja ou não contratações, é canalizar todas as energias no objetivo à partida julgado impossível: terminar num dos dois primeiros lugares da Liga, o tal que garante automaticamente mais de 40 milhões euros. É que a manta ainda é curta - não dá para tudo.

Centésima à vista 

O clássico n.º 243 entre os dois clubes mais titulados do País pode proporcionar ao FC Porto a sua centésima vitória sobre os encarnados: os azuis e brancos ganharam 97 jogos no tempo regulamentar, mais dois no desempate por pontapés da marca de grande penalidade, contra 88 triunfos benfiquistas (um no desempate por penáltis). As visitas ao Porto para o campeonato têm sido penosas para o Benfica nos últimos 40 anos. Contam-se apenas quatro vitórias da águia (e 34 golos) contra 26 triunfos e 72 golos do FC Porto. Os heróis encarnados foram Eriksson em 1990/1991 com bis de César Brito (2-0); Koeman em 2005/2006 com bis de Nuno Gomes (2-0); Jesus em 2014/2015 com bis de Lima (2-0) e Bruno Lage em 2018/2019, com golos de Félix e Rafa Silva (2-1). Até hoje só um treinador benfiquista ganhou duas vezes no Porto para o campeonato: o húngaro Janos Biri (4-2 e 2-0), nos anos quarenta.