Mudar o futebol para mudar o jogo
Por cá, a Terra também se move. Não é fácil num país onde sete dos presidentes de clubes da Liga têm mais de 15 anos de exercício do cargo
ESCREVEU Luís de Camões que «todo o mundo é composto de mudança/ ganhando sempre novas qualidades». E assim tem sido ao longo da existência do Homem e da sua reconhecida virtude inconformista que o leva a procurar uma constante evolução em si mesmo e em tudo o que realiza. Como aconteceu com o futebol, que de jogo lúdico de britânicos endinheirados e, por isso, com tempo para gozar dos prazeres da vida, se transformou num espetáculo de multidões e, por via disso, numa indústria desenvolvida, para a qual concorrem as mais diferentes áreas desta sociedade pós-moderna.
Ao longo de mais de um século de existência, o futebol evoluiu e, com ele, o jogo, que se foi tornando cada vez mais atraente, mais competitivo, mais espetacular e, sobretudo, mais universal.
Durante muito tempo, a ideia de resistir o mais possível à mudança teve uma corrente maioritária. Hoje em dia, tirando uma franja conservadora, que continua a preferir o futebol em estado puro, o futebol do amor à camisola, respeitador da paixão do adepto, numa palavra, desportivo, a maioria promoveu ou aceitou conformar-se com um futebol que se incluiu nessa imensa roda financeira que, segundo dizem, faz girar o mundo, embora, pelo menos na Europa, numa versão não totalmente antirromântica, o que lhe permite manter viva a imagem, mesmo que virtual, de uma relação emocional e sentimental com o grupo social de adeptos, que mantém, para com o clube, e por via dele, com as sociedades em que se inspiram, um forte sentimento de pertença.
Sendo Portugal um país de povo tradicionalmente conservador, avesso a grandes transformações sociais e respeitador de poderes constituídos, sejam eles quais forem, o futebol tem tido dificuldade em libertar-se do seu próprio convencionalismo e da sua natureza centralizadora. Daí que apenas três clubes continuem a ter uma dimensão nacional, arrecadem cerca de noventa por cento dos adeptos e que o valor de representatividade do clube da cidade ou, mesmo, da região seja manifestamente reduzido.
Porém, apesar de parecer mais lentamente, por cá, a Terra também se move e, aos poucos, o futebol vai dando sinais de vitalidade e de vontade de alguma transformação. Não é fácil conseguir o sucesso na ideia de mudança num país onde sete dos seus clubes mais representativos têm presidentes com mais de quinze anos no exercício do cargo. A saber: Pinto da Costa (FC Porto - 38 anos), Rui Alves (Nacional - 25 anos), Carlos Pereira (Marítimo - 23 anos), Vítor Magalhães (Moreirense - 21 anos e ainda mais 3 anos no Vitória de Guimarães), António Salvador (SC Braga - 18 anos), Luís Filipe Vieira ( Benfica - 17 anos) e Gilberto Coimbra (Tondela - 16 anos).
Há, no entanto, uma nova geração prometedora e, mais do que isso, uma reconhecida qualidade na gestão profissional da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga de Clubes. Daí que se tenha afirmado uma visão realmente transformadora, que terá como pilares essenciais a mudança dos velhos e obsoletos quadros competitivos e, principalmente, a consagração de uma política de centralização de direitos televisivos que funcionará, pelo menos assim se espera, como motor de crescimento dos pequenos e médios clubes e irá, enfim, valorizar as gestões mais rigorosas e mais profissionais.
Claro que o horizonte para a execução da centralização dos direitos, à boa maneira da preguiça portuguesa, é ainda muito distante, mas está mais próximo do que alguma vez esteve. E essa é, obviamente, uma boa notícia.
«O futebol evoluiu e, com ele, o jogo»
O bom exemplo de Carvalhal
Carlos Carvalhal é o treinador do momento. O seu SC Braga tem um futebol alegre e vibrante. Com muito menos recursos do que os três grandes, está no segundo lugar do campeonato, foi à final da Taça da Liga e qualificou-se, com todo o mérito, para a final da Taça de Portugal, depois de ter ido vencer o FC Porto ao Dragão. Nem por isso o seu discurso responsável e ponderado mudou. Continua a entregar a maior parte do mérito aos seus jogadores e a não desconsiderar ninguém. Um exemplo de competência e de bom senso.
Os melhores do mundo a adiar
Portugal volta a entrar no Guinness. Há 52 anos que o país discute como e onde fazer o novo aeroporto de Lisboa. Não há, no mundo, quem nos possa igualar na arte de adiar. Desta vez, adiámos o Montijo para propormos... o Montijo e Alcochete. Agora é que está quase. É só o tempo de mudarmos a lei e de esperarmos por um novo estudo de impacto ambiental. Coisa rápida que deverá estar acabada daqui por mais 30 anos, quando as alterações climáticas exercerem o seu direito de veto e inundarem a margem sul.