Minutos finais e todos os minutos
1 - E tudo os minutos finais decidiram. O Sporting passa de vitória a empate. O Benfica vira de empate para vitória e o Porto ganha e agradece à barra. O Benfica encurtou de 4 para 2 pontos a diferença para os leões, mas se os encontros tivessem acabado uns minutos antes, estaria a 6 pontos. Uns brevíssimos minutos e o Benfica ganha 4 pontos na luta pelo 1.º lugar. É assim o futebol, em que todos os minutos são iguais, mas os derradeiros se apresentam, às vezes, como dramáticos. Umas vezes desesperamos, outras vezes ficamos esfuziantes. Desta vez, com a felicidade do lado do meu clube, num jogo, porém, pobre na exibição, diante de um Paços, que foi mais perigoso do que, em condições normais, são, na Luz, o Porto e o Sporting juntos.
2 - Devo dizer que comecei a escrever esta crónica na terça-feira da semana passada. Ou seja, no dia seguinte à vitória do Benfica no Funchal. Não tanto para falar do jogo, mas para repudiar o modo como o jogo foi narrado e comentado na transmissão televisiva. Ainda o encontro não havia começado, e os comunicadores do canal já peroravam sobre a equipa encarnada, e incessantemente assim foi até ao fim do encontro, num autêntico massacre de má-língua. Ou porque joga mal, ou porque tem jogadores que nada jogam, ou porque Jorge Jesus está silencioso, ou porque Jorge Jesus vocifera com os jogadores, ou porque não há soluções no banco, ou porque qualquer outra coisa que sirva para amesquinhar a equipa. Um festival de enviesamento, um despudorado critério jornalístico de uma parcialidade obsessiva, uma narração que, de tão centrada em dar no Benfica, nem relatava fosse o que fosse do que era o jogo jogado. Já não é nem a primeira, nem a segunda, nem a enésima vez que, nas transmissões que metam Benfica, se verifica uma parcialidade confrangedora. Mas, desta feita, ultrapassaram-se os limites da decência deontológica. Aliás, bem acompanhados no capítulo da realização.
O penálti descarado cometido pelo guardião maritimista sobre Everton só foi repetido, envergonhadamente, uns bons minutos mais tarde, sendo que, no momento da falta, o narrador logo sentenciou que «Everton caiu sem qualquer irregularidade» (sic). Depois, na falta assinalada, na sequência da qual o Benfica marca o segundo golo, foi um fartote. Não custa aceitar que a infracção talvez devesse ser marcada ao contrário, mas a dezena de vezes que tal momento foi repetido, impedindo-nos até de ver o jogo que estava a decorrer, evidencia critérios desiguais para situações tendencialmente comparáveis.
Houve momentos hilariantes. Um deles, prende-se com o golo do Marítimo. Mal a bola entrou, o narrador - excitadíssimo - anunciou que o SLB não sofria 10 golos nas primeiras 8 jornadas desde 1959. Foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça, não certamente por memória espontânea, mas tudo estava preparado com essa cábula para festejar tal feito. Outro, foi o muito tempo em que debitaram zombaria sobre Everton. Que não jogava nada, que foi muito caro, apondo-lhe o preço. Uma, duas, três, muitas vezes, até que o rapaz marcou um belo golo. Engoliram em seco e, calcule-se, a tal desilusão de jogador, no fim, virou o «homem do jogo».
Já dias antes, havíamos tido na SIC uma narração inenarrável do jogo em Glasgow. Sempre em tom depreciativo, disse-se sistematicamente mal do Benfica, do princípio até ao fim, e desvalorizou-se o valor do adversário, revelando, aliás, uma grande ignorância ou má-fé. Recordo-me do que foi a narração do Rangers-FCP para a mesma competição no ano passado, com o resultado de 2-0 a favor dos escoceses. Disse-se então que a equipa portuguesa até jogara benzinho, que foi infeliz e ineficaz e que o mesmo adversário era uma equipa de respeito. Na altura, entendeu-se que a saída por lesão de Pepe no início da segunda parte foi determinante para a derrota. Desta vez, faltaram 8 jogadores por lesão ou impedimento no Benfica, e foi tudo normal.
Ao invés, o que pudemos ouvir na narração de Hélder Conduto e no comentário de Rogério Matias no Benfica-P. Ferreira, na televisão do clube, foi exemplarmente sério e imparcial, quer na análise do Benfica, quer do adversário.
Observemos o contraponto com o FCP. Os portistas venceram em Marselha contra uma equipa vulgaríssima, sem chama e que perdia há 10 jogos seguidos para a Champions (deve ser recorde). Uma maravilha, estofo europeu, categoria e classe mesmo só rematando 3 vezes. Dias depois, o actual campeão nacional foi a São Miguel vencer por 1-0, tendo, além deste remate (excelente), só chutado mais uma vez à baliza do Santa Clara aos 89 minutos! E o que se disse, em comparação com os jogos do Benfica na Liga Europa e na Madeira? Tudo claro e categórico para um lado, tudo escuro e fraquinho, para o outro lado.
Respeito as críticas sobre o Benfica, que, muitas vezes, as merece. O que contesto é o tratamento desigual e uma aparente agenda compulsiva e sistemática de profissionais que passam o tempo todo na festança de dizer mal, nem sequer dissimulando antipatias (e correspondentes simpatias) que lhes vão no coração e saem pela boca.
Também fora do campo, o Benfica é sempre notícia, mesmo de primeira página. Três-homens-três esperaram a saída do Benfica no aeroporto madeirense. Não ouvimos o que disseram, mas imagino o que bolsaram. E não é que foi manchete esta reacção de um «grupo» (sic) de benfiquistas! Valha-nos Nossa Senhora dos Remédios…
3 - Na semana passada todo o meu texto foi dedicado á morte de Diego Maradona. No entanto, não esqueci um antigo jogador e um ainda treinador que, em Portugal, também desapareceram.
José Bastos, que nos deixou aos 93 anos. Não poderia ter memória viva do guarda-redes que esteve na conquista da Taça Latina em 1950, tinha eu 2 anos. Mas, ainda me lembro dele quando era um miúdo e a televisão uma recém-nascida. Por acaso, numa partida triste, pois foi uma das poucas vezes em que vi o meu clube perder uma Taça de Portugal para o FC Porto por 1-0. Era Bastos o guardião encarnado. Já muito recentemente, pude ver na BolaTV uma notável entrevista que lhe foi feita por José Manuel Delgado. Uma entrevista que nos abriu a janela da sua vida pessoal e desportiva. Que descanse em paz.
Vítor Oliveira. Um verdadeiro senhor no mundo, por vezes tão sinuoso, do futebol. Não o conheci pessoalmente, mas sempre o admirei, pela sua fibra, persistência, bom trato, razoabilidade e equilíbrio. Deixa-nos cedo, ele que - citando a feliz síntese d’A BOLA - foi um treinador grande que nunca precisou de estar num grande. Talvez mesmo o único. Na minha crónica de 2 de Junho passado, pude escrever sobre Vítor Oliveira, no seguimento de uma entrevista de Jorge Pessoa e Silva ao então treinador do Gil Vicente. Uma entrevista que tratou, de um modo claro e assertivo, problemas crónicos que atingem o nosso futebol e com cujo texto me identifiquei substancialmente. Um sereno depoimento de quem viveu no âmago do futebol, sem hipocrisias, vaidades tontas ou umbiguismos. O futebol ficou mais pobre com a sua prematura morte.