Messi contra a Espanha inteira

OPINIÃO05.09.202004:00

Depois de ter afirmado e reafirmado a sua irrevogável intenção de sair do Barcelona, Leo Messi fez marcha atrás e anunciou, ontem, que fica mais um ano, porque nunca levaria a tribunal aquele que considerou ser o seu clube de sempre. De facto, Messi, agora com 33 anos, vai completar vinte anos de Barça. Bem mais de metade da sua vida. Nunca conheceu outro clube, nunca conheceu outra casa, apenas teve como camisolas, a do Barça e a da seleção argentina. Porém, indignado com o presidente Josep Maria Bartomeu, destroçado por uma derrota histórica, de 2-8, frente ao Bayern de Munique e, ao que se diz, descontente com a escolha de Ronald Koeman para treinador do clube catalão, Messi decidiu bater com a porta, com estrondo e com escândalo. O que parecia não ser mais do que uma birra do famoso jogador, tornou-se numa firme determinação, para ser levada a sério.

Daí que vários clubes se interessassem pela oportunidade. O City, com Pep Guardiola no comando técnico, pareceu ser aquele que mais seduziu Messi. Mas havia que resolver a questão essencial da sua liberdade. O Barcelona entendia que o jogador não era livre de partir e deixou claro que não iria facilitar a saída. O próprio presidente declarou publicamente que se o problema fosse ele próprio, renunciaria ao cargo para Messi poder ficar. Messi não disse que sim, nem que não. Deixou que as negociações, complexas e secretas, fossem conduzidas, como sempre, pelo seu pai, Jorge Messi. Não houve fumo branco, mas o jogador tentou pressionar. Não compareceu ao teste de Covid-19 feito ao plantel, nem na abertura dos trabalhos de preparação. Insistiu na vontade de sair, mas a própria Liga espanhola, através do seu controverso presidente, Javier Tebas, considerou que para sair do clube, Messi, ou alguém por ele, teria de pagar uma cláusula de rescisão no valor de setecentos milhões de euros. Os seus advogados negaram que tal clásula estivesse em vigor, mas não houve o mais pequeno sinal de abertura para negociação. Mais do que o próprio clube, a Liga percebia o que significava a saída de Messi do campeonato espanhol, o que representaria em perda de valor global, sobretudo depois da saída de Cristiano Ronaldo para Itália. Uma das cinco mais fortes ligas do mundo, sem Cristiano e sem Messi, haveria de continuar uma Liga forte, mas muito menos atrativa e os valores de contratos de direitos televisivos baixariam para números preocupantes. Messi compreendera que não lutava apenas com um clube, mas com todo um país. Era de mais para ele. Nunca o haveriam de libertar sem uma guerra cruel e brutal que deixaria marcas para sempre.

Messi não podia ter tido, pois, outra decisão. Continuar, pelo  menos por mais um ano, é a maneira de saltar o muro do beco que não tinha saída. Foi o que fez, mesmo sabendo que todo este episódio deixará danos irreversíveis. Nunca voltará a ser o mesmo para os adeptos mais sectários, nem para uma imprensa catalã, que é das mais clubistas do mundo.

O que não se conhece é o que pensa fazer Messi no final de mais uma época. Certo que terá 34 anos, mas continuará a ser uma lenda viva do futebol mundial e pode aumentar a sua vontade de vingança, não sobre o clube, pelo qual, naturalmente, tem verdadeira paixão, mas pela administração que não apenas o contrariou, como o humilhou, obrigando-o a um recuo sem contemplações.

Será, para já, também uma incógnita perceber como reagirá Messi durante este ano em que se obriga a ficar onde manifestamente não queria. Provavelmente não estará em causa o seu profissionalismo, mas a batalha perdida pode não ter acabado com a guerra.