Melhores pessoas!
O mundo, creio que já todos o compreendemos, está a viver a maior crise dos últimos 50 anos. E essa maior crise está, naturalmente, a impor à humanidade os maiores desafios de que a minha geração tem memória. Já muito foi dito e escrito sobre a esta impressionante, inesperada e tão difícil de controlar pandemia. Já muitas emoções foram descritas. Já muitas histórias foram contadas e muitos testemunhos registados. É inevitável que perante o desconhecido e invisível monstro do Covid-19 tendamos a construir barreiras de ansiedade, tensão e até medo. Mas vencermos este monstruoso inimigo tem de ser o desafio, sabendo nós que este é um desafio que nos testa a todos e testa a própria humanidade.
Não é, evidentemente, tempo para desfiar palavras bonitas, é, antes de mais, tempo para cumprirmos com a nossa obrigação de respeitar o exigido comportamento imposto pelo estado de emergência e os cuidados indispensáveis para não nos transformarmos em fáceis transmissores do vírus. É tempo de darmos o tudo por tudo para travarmos esta infernal cadeia de contágio. Fazendo pouco, podemos fazer muito, e é absolutamente fundamental que cada um de nós faça o que é preciso, porque se cada um e nós fizer realmente o que é preciso fazer, mais rapidamente será estancado o sofrimento dos que mais têm sido atingidos e mais depressa se evitará sofrimento ainda maior.
O apelo é esse: fazermos todos o que nos compete. Com sentido de responsabilidade, sensatez, ética, bondade, humanismo. Nas últimas décadas, nunca como hoje a vida dos outros dependeu tanto da nossa própria vida e nunca como hoje a nossa vida dependeu tanto da vida dos outros, e não deixa de ser irónico que, estando todos nós afastados como nunca, precisemos, ao mesmo tempo, de estar tão unidos uns e outros.
PERANTE o infortúnio, perante o sofrimento, perante esta necessidade de lutarmos coletivamente para impedirmos que a tragédia acumule vítimas atrás de vítimas a uma alucinante e assustadora velocidade, o desafio ganhará uma dimensão cada vez maior e mais abrangente, porque ninguém poderá esquecer-se que para proteger uma parte a outra tem de continuar, verdadeira e realmente, a dar o melhor de si, porque ninguém salvará ninguém se não houver - sem demagogia - quem nos alimente e dê suporte a tudo o que é essencial para continuarmos, vivendo, a lutar.
Que o afastamento necessário nos mantenha mais unidos do que nunca, mais unidos, aliás, do que alguma vez estivemos, e que todo este tão infeliz cenário de vida (de guerra, como já tantas vezes ouvimos) sirva também para elevarmos os mais importantes valores da vida, como a justiça, a coragem, a bondade, o respeito, a resiliência, a solidariedade, na esperança de que todo este cenário negro volte, por fim, a ganhar todas as cores e, quando isso suceder, estejamos todos em condições de poder recomeçar.
Veremos como vamos conseguir sair disto. Espero que, no mínimo, melhores pessoas!
COMO diria o admirável poeta que é, também, Sérgio Godinho, trata-se, é verdade, de uma frase batida, como aquele primeiro dia do resto da tua vida, mas a frase que recordo agora talvez nunca tenha sido tão lembrada como agora, porque o futebol será, na realidade, a mais importante das coisas menos importantes da vida, e como tão importante das coisas menos importantes deve, também por isso, saber, no momento que vivemos, remeter-se ao seu devido lugar - como todo o desporto, profissional ou não - de força motivadora de solidariedade.
Indústria evidentemente importantíssima na economia mundial, e como tal, duramente atingida também neste cenário de pandemia, o futebol profissional, muito em particular, não pode, nem deve, porém, querer agora, como indústria, fazer ouvir-se como vítima ou reclamar o direito de especial atenção.
Por entre o extraordinário envolvimento de organizações e agentes do desporto em geral e do futebol profissional, em particular, no clima de solidariedade que o momento impõe, com palavras de motivação, reconhecimento e apelos à coragem e ao respeito pela luta que se trava em todo o mundo, vindas de figuras com o impacto dos principais dirigentes, muitos treinadores, inúmeros jogadores, não pude deixar de estranhar a inapropriada reação pública do presidente da Liga, Pedro Proença, perante as palavras, justificadas, do primeiro-ministro António Costa, que considerou, na entrevista que concedeu à SIC, que o futebol «não é - naturalmente - prioritário» no plano de medidas mais urgentes que devem ajudar a combater as inevitáveis, mais graves e profundas dificuldades que se seguirão à tragédia que vivemos.
«O futebol exige respeito», disse o presidente da Liga a propósito das palavras do primeiro-ministro. Afirmação insensata. Para não dizer inconveniente.
Mas talvez possa o futebol profissional, enquanto organização. aproveitar estes trágicos tempos para exigir, isso sim, respeitar-se mais a si próprio.
PS: Entre as más notícias, algumas boas, das iniciativas solidárias, como a do futebolista Ibrahimovic («A Itália sempre me deu muito e, neste momento dramático, eu quero dar de volta ainda mais a este país que amo», disse o sueco, ao lançar campanha de fundos e o apelo à «generosidade dos meus colegas, de todos os atletas profissionais e de todos aqueles que queiram ajudar a dar um pontapé a este vírus») ao resultado negativo que, felizmente, acabou por dar a última análise ao Covid-19 feita, no Brasil, ao treinador Jorge Jesus. Bom tiro, mister!