Maldita Taça da Liga
1 - Para começo de conversa deixem-me dizer que, talvez para escândalo de algumas pudicas almas, gostei de ouvir Sérgio Conceição dizer que o FC Porto não o tinha contratado por ter bom perder. É isso mesmo que os portistas esperam de um seu treinador: que tenha mau perder, no sentido em que não gosta mesmo nada de perder. Mas, se é claro também que o mau perder deve ter limites - por exemplo, nunca ofendendo o adversário nem a verdade desportiva - é incomparavelmente mais feio ter mau ganhar do que mau perder. Porque o mau perder tem sempre uma desculpa compreensível que o mau ganhar não tem. É fácil ter bom ganhar quando o Sporting ganha como ganhou ao FC Porto na final da Taça da Liga; difícil é ter bom perder quando se perde como o FC Porto perdeu essa final e ainda ter de levar com os críticos a jurar que foi de forma justa.
Já aqui escrevi bastas vezes o quanto tenho apreciado o trabalho de Sérgio Conceição à frente do FC Porto, neste ano e meio que já leva na função - tempo suficiente para uma avaliação ponderada e consistente, e não apenas fruto de uma apreciação apressada, na tradição de um seguidismo laudatório tão instantâneo como comum na nossa imprensa desportiva. Isso deixa-me absolutamente à-vontade (que, aliás, por deformação genética já tardia para corrigir, sempre estaria) para, de quando em vez, expor aquilo que pontualmente dele discordo, nas opções que toma. Porque nem ele, nem eu, nem ninguém, somos infalíveis. E quando há dias Sérgio Conceição, agastado com o empate em Guimarães e com uma pergunta de um jornalista (que, de facto, não tinha grande razão de ser), respondeu desabridamente perguntando se o treinador era o jornalista, perdeu a razão na resposta. Não, o treinador não era o jornalista. Mas se um jornalista não pode fazer perguntas que entram no campo específico do trabalho do treinador, então não está ali a fazer nada: isso significa que o treinador acha o seu trabalho inquestionável e não reconhece a ninguém o direito de o pôr em causa. Levo isso à conta do tal mau perder - neste caso, mau empatar. Porque também não esqueço que foi Sérgio Conceição o único treinador a quem eu ouvi pedir desculpa publicamente a um jornalista porque numa conferência de imprensa anterior tinha sido injusto com ele. E veja-se o caso do jovem e muito elogiado Bruno Lage, há meia dúzia de jogos na primeira Liga, e que já se permitiu há dias ter também uma resposta desabrida, deslocada e ofensiva para com um jornalista, como se esse fosse o tom adequado para queimar etapas em direcção ao estatuto que legitimamente ambiciona.
Toda esta introdução para dizer que, no seguimento do que já aqui escrevi na minha crónica anterior, entendo que Sérgio Conceição, na sua ânsia, que ele absorveu de todo o clube, de finalmente, conquistar a Taça da Liga, expôs a equipa a danos desproporcionados e cuja factura já se começou a pagar agora com a lesão muscular de Marega, motivada por cansaço e sobrecarga de esforço. O primeiro erro, a meu ver, foi a obsessão de vencer aquele caneco, levada a tal extremo que Sérgio não concedeu um minuto de descanso a nenhum dos habituais titulares, já sobrecarregados por um mês de Janeiro com mais jogos disputados do que qualquer outro clube da Europa. Depois, foi acreditar que Marega era sobre-humano e absolutamente indispensável, continuando a apostar infatigavelmente nele, apesar de já nos dois jogos da final da Taça da Liga, e depois com o Belenenses, ser evidente que o maliano acusava um desgaste extremo, perdendo bolas em velocidade e no choque físico, duas situações em que habitualmente ganhava sempre. Em Guimarães então, isso estava a tornar-se gritante, com Marega claramente fora do jogo, não por falta de vontade ou de entrega, mas por pura incapacidade. Do meu cantinho no sofá, eu rezava a todos os santos para que Sérgio Conceição o tirasse do jogo, para defesa dele e benefício da equipa. Mas não o fez, não o fez a tempo. E agora perdemo-lo, no mínimo para dois meses. Maldita Taça da Liga, que nos compromete o campeonato e a Liga dos Campeões!
2 - HÁ muitas explicações possíveis e aparentemente lógicas para justificar o resultado dos jogos. Desde logo as da arbitragem, do off-side mal marcado, o penálti que foi ou não foi, o VAR que isto ou aquilo. Depois, as explicações técnicas em que os treinadores se embrenham e que começam sempre pela frase «sabíamos que…» e depois seguem pelas habituais dissertações acerca das linhas de passe, as transições ofensivas e defensivas, as marcações com bola e sem bola, etc... e tal. Mas são inúmeros os jogos em que o factor decisivo do desfecho não tem nada a ver com os árbitros, nem as tácticas, nem sequer a superioridade de jogo de uma equipa sobre a outra, mas apenas com um factor que ninguém controla: o factor sorte. E, terminado o jogo, apagadas as luzes do estádio, escritas as doutas crónicas interpretativas sobre o desfecho do jogo, passados uns curtos dias, a memória de uns e de outros desvanece-se na frieza do resultado, que é afinal o que conta. O vencido, desfavorecido pela sorte, já não ousa invocar tal infortúnio, sabendo que ninguém se apiedará de si, e o vencedor, bafejado pela sorte inversa, já pode proclamar que, em vez de sorte, foi mérito, que isso da sorte não existe.
No espaço de poucas semanas, Benfica e Porto, desde sempre os dois verdadeiros candidatos ao título, tiveram de enfrentar duas difíceis deslocações a Alvalade e a Guimarães. No saldo final, o Benfica fez o pleno: 6 pontos; e o FC Porto ficou-se pelos 2 pontos, uma diferença que poderá vir a ser decisiva nas contas finais. A minha tese, não desfazendo o mérito com que o Benfica cilindrou o Sporting domingo passado (podiam ter sido cinco ou seis), é que o factor decisivo para tão grande diferença na colheita foi a sorte. Vejamos.
Alvalade. Primeiro, foi lá o Porto. Em minha opinião, e de toda a gente, teve falta de ambição, pois era e é claramente superior ao Sporting. Mas também encontrou pela frente um Sporting inesperadamente defensivo, a lutar pelo 0-0, como depois voltaria a fazer na Taça da Liga, ainda não rebentado e com uma defesa apuradíssima. A seguir, foi lá o Benfica e Marcel Keizer, que tão criticado fora pela sua estratégia «resultadista» contra o Porto, a pedido de várias famílias, mudou de estratégia. Mas escolheu a pior altura: com um Sporting de rastos, literalmente de rastos, com uma defesa reduzida a apenas um dos habituais titulares, obrigado a jogar de igual para igual com um Benfica repousado e confiante. Resultado: foi passado a ferro.
Guimarães. Primeiro, foi lá o Benfica. Fez uma primeira parte sem história, ela por ela, sem arriscar, e uma segunda parte a defender o empate, sem criar uma oportunidade. E, num momento de desconcentração defensiva do Vitória, marca um golo do nada e contra a corrente e ganha o jogo, sem saber como. Domingo, foi a vez do Porto ir ao castelo. Resumindo, em 90 minutos, Casillas não fez uma defesa e o Vitória não criou uma oportunidade, contra as quatro flagrantes que o Porto criou na primeira parte e outras tantas na segunda. Sobrecarregado de jogos, o FC Porto, ao contrário do Sporting, conseguiu uma surpreendente e exuberante demonstração de superioridade física e anímica, como já havia feito antes contra o Belenenses e antes contra Sporting e Benfica, na Taça da Liga. A isso chama-se trabalho, treino, competência e esforço. Porém, um jogo que era para ter sido ganho folgadamente por dois, três ou quatro, acabou empatado. Mas não há nada a fazer quando a sorte toma conta dos acontecimentos. Já na primeira volta contra o Guimarães, no Dragão, tinha acontecido uma coisa rara: a ganhar por 2-0, o Porto descansou e perdeu por 2-3. Porque o Vitória veio para cima do Porto? Não, porque, pura e simplesmente, foi lá acima três vezes e por três vezes arrancou três remates do fim da rua, todos eles indefensáveis e todos eles irrepetíveis. O que há a fazer nestas alturas? Lamber as feridas e seguir em frente.