Mais histórias do Chefe e dos seus Auxiliares
Histórias do senhor Kraus e a política. Uma visão sobre o poder e os que rodeiam o poder. Quase ficção.
Uma tarde na vida do Chefe (os economistas)
1 - Eles já estão ali, do lado de lá, a bater à porta do seu gabinete.
- Os Economistas!
- Os Economistas estão a avançar!! - gritavam os Auxiliares, ansiosos, do outro lado da porta.
E sim, os Economistas aí estavam.
2 - Que balbúrdia é esta, afinal, perguntou o Chefe? Eu estava desesperado, mas tranquilo. Que vêm agora vocês...?!
- Os economistas dizem que é preciso cortar ainda mais nas despesas! - disseram de uma vez os Auxiliares, com respiração ofegante.
- Quais despesas?
- As dos outros!
- Ah, as dos outros! - exclamou o Chefe, aliviado.
- Sim, Chefe, mas tal não nos deve descansar. Porque os economistas (e esta palavra era dita como se existisse um receio de a repetir em voz alta) - quando dizem que é urgente cortar as despesas dos outros não deixam de olhar para nós. E fixamente.
- Para nós?!, - exclamou o Chefe, indignado - Mas nós não somos os outros!
Subitamente todos se calaram, ao mesmo tempo, como se tivessem combinado.
O Chefe estava nervoso.
Endireitou a gravata e deu um ligeiro toque no cinto das calças.
O primeiro Auxiliar de imediato endireitou também a gravata e deu um ligeiro toque no cinto das calças.
O segundo Auxiliar, logo a seguir, endireitou a gravata e tentou dar um ligeiro toque no cinto das calças. Mas não conseguiu: esquecera-se do cinto.
Baixou os olhos envergonhado.
Mas o Chefe não via nem ouvia nada.
- Esta coisa dos Outros, murmurou... Esta coisa dos Outros sempre me fascinou...
- Sim, os Outros... - murmurou o Primeiro Auxiliar sem saber bem o que dizer.
- Os Outros são fascinantes! - exclamou de súbito o Segundo Auxiliar, como se acabasse de descobrir a resposta para uma qualquer questão concreta.
- Calma, senhor Auxilar - disse o Chefe que aos poucos recuperava o autodomínio - não exagere! Os Outros são necessários! Necessários! perceba bem esta palavra. Não são fascinantes, isso é outra coisa. Necessários, percebe, necessários!
Abriu, então, a janela e tentou acalmar-se gradualmente através da contagem do número de Necessários que passavam de um lado para o outro.
- Necessários! - repetiu alto, de costas para os Auxiliares -Necessários!
O Instinto
3 - O Chefe detestava geografia, economia, literatura, química, sociologia, engenharia, matemática, física, e ainda todas as ciências inventadas depois e antes de Cristo. O que ele apreciava era o instinto.
- O instinto, percebe!
O Auxiliar percebia que o Chefe queria que ele não percebesse. Por isso abanava a cabeça.
- Você não sabe o que é o instinto?
O Auxiliar abanou de novo a cabeça, ainda com mais força. Era dos bons.
O Chefe gostava de explicar - qualquer coisa, mesmo o inexplicável - e os Auxiliares gostavam do Chefe. Este não tinha muitas outras oportunidades. Investia, pois, em direcção aos Auxiliares como o touro, em certas cerimónias populares, investe contra os homens feridos e aleijados que ficam para trás.
- O instinto (disse o Chefe, completamente envolvido na dissertação) o instinto é algo que nasce aqui (e apontava para o estômago) - e sobe, sobe, sobe - (e lá acompanhava com gestos) - até chegar aqui! - (e a sua mão direita agarrava a própria garganta.) - Aqui, percebe!
- À garganta! - exclamou o Auxiliar, como se lhe tivessem acabado de revelar um segredo com dois milénios.
- Mais do que à garganta - especificou o Chefe (ele especificava muito bem) - o instinto sobe até ao meu vocabulário, e todo o meu vocabulário fica assim como que possuído por uma força invulgar.
- Uma força... - disse o Auxiliar - ... que uma inteligência normal não consegue perceber.
- Exactamente. Nem uma inteligência normal nem uma invulgar: a inteligência não é ferramenta capaz de entender os meus discursos. Eu falo, dirigindo-me para a população!
É a direcção ideal - murmurou, baixinho, o Auxiliar.