Mais duas derrotas, ‘check’!
O Nápoles empatou com o Paris Saint-Germain, para a Champions, e Carlo Ancelotti foi questionado sobre o seu estilo, ao que ele respondeu não haver estilo algum pela simples razão de construir as ideias de jogo em função dos jogadores com quem trabalha. Uma linha de pensamento inteligente, que aprovo, mas que colide com a inatingível sabedoria dos lusos mestres da tática, os quais atribuem mais importância às soluções de catálogo do que ao potencial humano de que dispõem.
Pouco tolerante na confrontação de opiniões, uma faceta que não se lhe conhecia, Rui Vitória dá cada vez mais ares de uma espécie de Jesus 2, só com olhos para o seu próprio umbigo e sentindo-se no centro de um mundo imaginário que os títulos conquistados lhe sustentam, sem se dar conta, porém, da coabitação tensa com a realidade, de que o jogo com o Belenenses constitui o mais recente exemplo.
Foi agora criticado por causa do número de avançados que colocou em campo no Jamor, quando na época transata, igualmente com o Belenenses, fez o mesmo. Agora perdeu, então empatou, mas no essencial pensou e reagiu da mesma forma. Agora acabou com Jonas, Seferovic e Castillo, há um ano terminou com Jonas, Seferovic e Jiménez. Agora perdeu, há um ano empatou ao sétimo minuto do período de compensação. Há um ano Jonas falhou um penálti, agora foi Salvio. Repare-se até nesta espantosa coincidência…
Ineficácia, azar, crueldade, os termos preferidos de Vitória de cada vez que os fracassos lhe batem à porta.
E porque não treinos inadequados? Deficiente gestão do plantel? Modelo desajustado em função das características dos praticantes? Talvez nada disto tenha cabimento, mas se anda tudo na paz dos anjos não ficaria mal uma satisfação convincente sobre a distorção entre o forte investimento no ataque, com as contratações de Ferreyra e Castillo, mais a renovação de Jonas, e haver apenas espaço para Seferovic, muito esforçado, sem dúvida, mas a denotar manifesta dificuldade no diálogo com a bola, e que até estaria de saída…
Na atual geometria tática do Benfica só cabe um avançado e se esse avançado for o menos dotado é natural que os golos fiquem mais difíceis de alcançar, como é óbvio.
Rui Vitória ganhou dois campeonatos e outros troféus com inatacável mérito, mas há quem entenda que essas proezas ainda fizeram parte da herança que o antecessor lhe deixou. Talvez, mas foi uma atitude inteligente da sua parte aproveitar e valorizar o que de bom recebeu. Estupidez teria sido, como outros fazem e se gabam disso, riscar o passado.
Em determinado momento fui dos que sugeriram que, apesar de a vida lhe correr de feição, deveria libertar-se da grilheta que o prendia a um projeto alheio e impor a sua própria identidade. Fê-lo, creio, em noite de estreia, no estádio de Guimarães, em novembro de 2017, com a entrada em cena de Krovinovic, na altura visto como o intérprete que faltava para enfrentar mais ambiciosos desafios. Sol de pouca dura, contudo, porque dois meses depois o jogador croata sofreu grave lesão de que continua a recuperar, sem que, entretanto, se investisse numa revolução absolutamente necessária.
Jamais houve um sinal de ousadia. Ficou-se por uma troca de atores sem trabalhar e aprofundar a consolidação do coletivo. Nem sequer se combateu a teoria de que Jonas, melhor marcador da Liga com 34 golos, apesar das dores lombares, jamais poderia ser visto como empecilho, fosse qual fosse o esquema escolhido. Pelo contrário, as aquisições quer de Ferreyra quer de Castillo foram indícios suficientemente fortes de um plano diferente daquele que está a ser praticado: pouca presença na área ofensiva, talhado para surpreender em vinte ou trinta minutos, no máximo, e previsível no restante, além de preocupantemente frágil em termos de envergadura competitiva.
A equipa atinge picos exibicionais maravilhosos, é verdade, mas falta-lhe alma e chama para aguentar um jogo inteiro. De aí a crueldade do minuto 92 em Amesterdão, do minuto 94 em Chaves e do minuto 90, na Luz, o golo de Herrera que destroçou a ambição do penta e provocou uma ferida à nação benfiquista que ainda não deixou de doer.
Rui Vitória considera que os problemas do futebol se resolvem com um encolher de ombros e frases de circunstância. É a vida, tem por hábito dizer. Em vez de um pingo de humildade para aceitar os erros e procurar corrigi-los, abespinha-se com os jornalistas e reage com uma narrativa ora pesporrente, ora hostil, de maneira a dar a volta aos temas que lhe são incómodos.
Luís Filipe Vieira é um homem de convicções e de entusiasmos. É um presidente de futuro e, por estes dias, quando voltou a ligar a qualidade da formação à possibilidade de sonhar com novo título europeu, o treinador não poderia dar resposta mais frustrante: duas derrotas, check! Uma que compromete a carreira na Liga dos Campeões e outra que expulsa a equipa do primeiro lugar na Liga portuguesa.
O que mais deve custar ao adepto da águia é ouvir Vitória vangloriar-se e atribuir os desempenhos medíocres à ineficácia e… ao sobrenatural. Só faltava…
Há que saber conviver com o insucesso, diz ele. Por conseguinte, siga a marcha, até ao próximo…