Mais do que falta discutir, unir e fazer… falta paciência

OPINIÃO28.11.201903:00

Há uma coisa de que tenho a certeza: o Sporting é um organismo vivo, um clube sentido e vivido pelos sócios. Talvez um pouco de mais, até. Quem assistiria impávido, entre os sportinguistas, a um movimento estranho como o que se passa com as ações do Benfica? Quanta tinta correria se o presidente do SCP fizesse menção de esganar um sócio em plena AG? Quantos lenços brancos e análises decisivas se fariam na desgraça do Porto na carreira europeia?

A verdade é que o Sporting é um clube melodramático, parecendo-se demasiadamente com as personagens dos romances baratos do séc. XIX, nos quais se morria de amor e se invocava a honra a todos os momentos. Talvez para impedir isso, um grupo de pessoas que desconheço, mas que terá o histórico Agostinho Abade como referencial, decidiu, sem se envolver em qualquer luta pelo poder, discutir o Sporting com vista à sua união.

Devo dizer que acho muito bem! Apoio todas as iniciativas para discutir o modelo de gestão profissional do futebol do Sporting; o modelo de apoio e promoção das modalidades, que fazem do nosso o mais eclético e extraordinário dos clubes, e para unir os sócios em torno desses objetivos. Só não sei como.

Em primeiro lugar - e de certo modo prego no deserto, embora saiba não ser o único - falta-nos paciência. Qualquer pequeno acontecimento no Sporting, como por exemplo, o Grupo Stromp dar um prémio ao presidente, é um forrobodó de indignações; o facto de não jogarmos bem, mesmo quando ganhamos (v.g. vitória sobre o LASK ou o Belenenses), dá outro tanto de impropérios (não sei o que dizer da paciência benfiquista quando joga daquela forma com o Vizela, merecendo perder e ganhando por acaso). Enfim, qualquer mínimo resulta num acontecimento. Seja porque Varandas vai ao Pavilhão, seja porque não vai. Seja pelo que for.

Os 17 sócios do Leipzig…

Em segundo lugar, há toda a questão do modelo de gestão. Muita gente quando se fala em alienar a maioria da SAD pensa que o modelo alternativo é o do Leipzig (equipa que ontem defrontou o Benfica). Aí, é tudo da Red Bull, embora disfarçado. A maioria da SAD é dos sócios, porque a lei alemã impede uma empresa de ter maioria no clube. Assim sendo a Red Bull tem 49% e os sócios 51%. Belo modelo, hein? Só que os sócios são 17 (não é engano o que li ontem aqui neste jornal). São mesmo 17 com direito a voto. Há sócios sem direito a voto, mas pagam mil euros por ano (não é engano, são mil euros). O Leipzig, fundado nestes moldes em 2009 e a disputar o primeiro lugar da Bundesliga (com o Monchengladbach e o Bayern) mostra o caminho que os clubes de futebol estão a trilhar.

Claro que entre este modelo - do meu ponto de vista indesejável - e o modelo atual, em que pretensamente são os sócios a decidir a vida dos clubes (o que todos sabemos ser mentira) há várias gradações, algumas delas que, com a tal unidade e alguma sabedoria, podem ser do agrado de todos (ou quase). O que se torna insustentável é um clube que se movimenta num universo onde a unidade de conta é o milhão de euros pretender ser gerido numa espécie de democracia direta, referendária e intimidatória como se têm vindo a mostrar ser os processos de decisão no Sporting e nos outros clubes. Reafirmando que neste particular o Sporting é o mais vivo deles todos e por isso o mais difícil de dirigir.

… e o atual modelo

O atual modelo faz com que uma ginástica financeira impossível nos leve os melhores. A renovação do contrato com Bruno Fernandes (dois milhões limpos por época) é justíssima. O médio vale isso e mais e tem, na medida que lhe é possível, carregado a equipa às costas. Acontece que eu estou convencido de que se Mourinho, agora no Tottenham, o quiser vir buscar pelos tais 60 milhões, o Sporting vai ter de o vender. Com essa venda aguenta mais uns compromissos, talvez compre um avançado e um defesa, ou um deles, e reformula o sistema de jogo, passando Vietto da esquerda para o lugar de Bruno (aliás, penso que ele terá vindo do Atlético de Madrid para colmatar a falhada saída da estrela do Sporting no Verão). Mas isso vai fortalecer a equipa? Até pode ser que sim. Até pode ser que a saída de Bruno seja benéfica, não só financeiramente, mas do ponto de vista dos equilíbrios. Deste modo, todos jogam para ele, tornando-lhe a vida impossível e o fio de jogo do Sporting confuso. Mas estando ele em campo, quem arrisca a tomar decisões? Recordo que a Seleção é assim (ou ainda mais visível) com Ronaldo. Não que a culpa seja de Bruno ou de Ronaldo, mas porque faz parte da condição humana reconhecer um líder muito acima das capacidades dos outros, e com isso cada qual desresponsabilizar-se um pouco, sobrecarregando esse líder.

E depois? Para o ano estaremos mais ou menos na mesma, no caso de conseguirmos. Das duas taças que vencemos o ano passado, uma foi-se e a outra é bastante difícil, tendo em conta a derrota no primeiro jogo (em casa) e faltando dois jogos fora (Gil Vicente e Portimonense). No campeonato podemos ter as aspirações que quisermos, mas vejo difícil ultrapassar a barreira de irmos à Liga Europa. Por último, na Liga Europa, onde, ainda assim, é onde temos feito melhor figura, temos fundadas esperanças de ir mais longe (veremos já hoje, contra o PSV), mas espero não ser acusado de traição se disser que seria um milagre chegarmos à final ou vencermos.

O caminho não é fácil, a sua gestão nestes moldes é quase impossível. Por isso, sim, é preciso unir, é preciso mudar e é preciso, sobretudo, muita paciência. Para não ser brusco e deitar a perder o que de tão relevante e bom temos, os passos têm de ser cuidadosos, mas firmes.

O nosso ‘Ai Jesus’

Não houve quem - penso eu - em Portugal não apoiasse Jorge Jesus e o Flamengo na dupla conquista dos Libertadores e do Brasileirão. Até Miguel Sousa Tavares, meu camarada de A BOLA e Expresso, adepto confesso do paulista Corinthians, além, claro, do Porto onde Jesus nunca esteve, escreveu ontem aqui que tinha andado a torcer por ele e pelo Mengão.

Também e sublinho as palavras que ele deixou de elogio à dignidade de Jesus depois do lamentável assalto à Academia. Jorge Jesus pode não ser um letrado nem um orador fantástico. Pode passar a vida a dizer palavras com que as redes sociais gozam até à exaustão, mas é um homem que sabe de futebol a sério. De facto, o jogo com o River Plate não foi nada de especial, mas aqueles dois golos de Gabigol, aos «oichencha e ocho» e aos 92 minutos devem ter sabido tão bem a Jesus que não poderemos nunca explicar. Pois se me souberam bem a mim e a toda a gente, alguma desconhecida, que como eu estava numa noite fria, em Mangualde, a acompanhar o jogo…

Parabéns, JJ, disse Mourinho. Falou por todos. Tal como o Presidente Marcelo quando disse que tinha logo ali uma vontade quase indomável de o condecorar. Compreendo-o, seria boa altura de lhe dar um abraço… também gostava de lho dar. E faço-o por este meio.