Madrid, território Cristiano
A lenda regressa a Espanha para tentar infligir mais golos e mais desilusões ao Atlético de Simeone. Na Champions, CR7 não costuma perdoar
DIEGO SIMEONE contra Cristiano Ronaldo no Metropolitano de Madrid. É um reencontro estranho. O Atlético (5.º na Liga) deve ser o campeão com o futebol mais pífio que os espanhóis tiveram em muitos anos e o Manchester United (4.º na Premier) não se encontra muito melhor. Jogam ambos demasiado pouco para a qualidade dos respetivos plantéis. Simeone e o treinador alemão dos ingleses, Ralf Rangnick, são de escolas diferentes mas têm pelo menos um ponto em comum: uma ideia de jogo desadequada às características do plantel (no caso do Cholo) e do clube (no caso de Rangnick). São maestros conceituados, mas neste momento dirigem óperas bufas.
Simeone continua a insistir num futebol para operários, serralheiros e gladiadores quando tem na equipa artesãos com pés de veludo. Parece ter os famosos huevos cristalizados. O científico Rangnick, por seu lado, ainda não percebeu (ou ninguém lhe explicou) que a urgência e intensidade operária do gegenpressing colide com a essência histórico-estética do United, um clube cujas melhores equipas (de Matt Busby a Alex Ferguson) sempre se distinguiram pelo estilo e panache com que dominavam jogos e adversários, não pela capacidade de pressionar/impedir o oponente de respirar e sair com bola. Há receitas que pura e simplesmente não funcionam em todos os clubes e não é por causa do sucesso de um rival (Liverpool com Klopp, por exemplo) que se deve arrumar a matriz fundadora na gaveta.
Faz pena ver jogadores de dimensão mundial como Luis Suárez e Antoine Griezmann encalhados nas obsessões de Simeone, como faz pena ver uma lenda como Cristiano e um craque como Bruno Fernandes perdidos nesta manta de retalhos individuais que não tem rigorosamente nada a ver com o grande United de sir Alex onde Ronaldo jogou e se fez campeão europeu e Bola de Ouro. Seja como for, Atlético e Manchester (como o Benfica) têm na Champions a última oportunidade de maquilharem os desastres da época. Curiosamente, neste último fim de semana tanto colchoneros (3-0 em Pamplona) como red devils (4-2 em Leeds) fizeram bons resultados e exibições, mas é possível que tenham sido apenas melhoras de morto. Tenho curiosidade relativamente ao desempenho de Cristiano, eterno rei da Champions e terror absoluto do Atlético de Simeone, a quem marcou 25 golos em 35 jogos e tantas desilusões causou nesta competição - nem só com a camisola do Real Madrid, quem esquece aquele fabuloso hat trick que proporcionou à Juventus uma reviravolta de sonho (0-2 para 3-0) nos oitavos de final de março de 2019?
CR7 será como sempre assobiado pelos adeptos do Atlético, mas isso é para o lado que ele dorme melhor. Madrid é o seu território e o Atlético não passa de um figurante na fabulosa epopeia que ele ali escreveu com Mourinho, Ancelotti e Zidane. Nos anos dourados, Cristiano geralmente baixava de produção em janeiro e só recomeçava a aquecer os motores por esta altura, início da fase eliminatória da Champions. Depois ia em crescendo goleador até às decisões de maio. É um facto incontestável que Cristiano já não corre, dribla e marca como dantes (muito menos numa equipa errática como o United, que não funciona com um bloco), mas a Champions costuma trazer ao de cima o grande predador que ainda habita nele - aos 37 anos soma 21 golos, mais do que qualquer outro futebolista português (Diogo Jota é o segundo com 18). Na fase de grupos, Cristiano marcou golos em todos os jogos (cinco) em que participou, dois deles ao espanhol Villarreal. Antecipar o fim da lenda é um exercício perigoso a que muita gente se tem dedicado sem sucesso nos últimos anos. É claro que o homem não é eterno e os sinais estão aí, mas… calma.
Nos jogos de ontem, nenhuma surpresa. Grande dinâmica no Chelsea-Lille (2-0) com os campeões europeus e mundiais a mostrarem aos quatro portugueses do Lille de que matéria são feitos; um estupendo golo de Vlahovic a adiantar a Juventus em Villarreal e o combativo submarino amarelo de Emery a manter a eliminatória viva com o empate de Dani Parejo.
Ronaldo soma, mesmo assim, 21 golos esta época, mais que qualquer outro português
BENFICA, ÚLTIMA CHAMADA
SÓ UM Benfica unido, focado, intenso, dinâmico e defensivamente sólido como aquele que arrasou o Barcelona na Luz (3-0) em setembro passado pode discutir hoje o jogo com o Ajax. O problema é que esse Benfica parece ter desaparecido com a saída de Jorge Jesus, que levou com ele a fiabilidade defensiva mínima que o sistema de três centrais garantia. Com o regresso aos dois centrais, o Benfica passou a sofrer mais golos (nove nos últimos seis jogos!) e perdeu um certo numero de equilíbrios que, melhor ou pior, maquilhavam a falta de velocidade de Otamendi e Verthongen - debilidade que os velozes jogadores do Ajax tentarão explorar. O empate-derrota do Bessa convoca a palavra que melhor caracteriza o futebol benfiquista - intermitência - e não vale a pena lançar mão de desculpas esfarrapadas que não convencem ninguém.
A aposta de Rui Costa em Nélson Veríssimo não produziu os efeitos esperados e o Benfica está a jogar bem pior do que jogava, que já não era muito. Quem vê de fora fica com a impressão de que os jogadores não se esfarrapam pelo treinador e parecem conformados com a pobreza reinante. A equipa não consegue controlar um jogo do princípio ao fim e não mostra capacidade de espernear quando é posta em causa.
Enfim, vamos acreditar que a aura da Champions os espevite - caramba!, se não for isso, então o que será? - e nos surpreendam com uma daquelas noites europeias que tornaram o Benfica famoso além-fronteiras nos anos sessenta.