Lutar até ao fim!...

OPINIÃO23.04.202206:30

E tu, Sérgio, olha por nós, como sempre olhaste para nós: com verdadeira amizade!...

E STA era a crónica que eu não queria escrever, mas era, infelizmente, e nos últimos tempos, a crónica anunciada, sempre retardada pela esperança de que o Sérgio, mais uma vez, vencesse a luta pela vida que ele amava: com e para a família, com e para os Amigos e com e para o Sporting! Este era o Sérgio Abrantes Mendes que partiu e nos deixa uma enorme saudade.
A última vez que falei com ele foi pelo telefone, tempos depois de ele ter saído da CUF, onde mais uma vez lutou como um herói. Quando me atendeu fê-lo com aquela voz de quem venceu mais uma vez, e da forma como sempre tratava os amigos, designadamente, a mim: ‘meu querido Zé!’ Disse para comigo: temos Sérgio de volta!
E tudo indicava que sim, porque manifestou vontade de ir ao jantar quinzenal do Grupo Stromp, a que pertencia desde 2013, lamentando apenas que fosse no 1.º andar do restaurante, e andava com cadeira de rodas. Disse-lhe que havia elevador, mas, além disso, que eu ia buscá-lo a casa e levá-lo de volta, e senti o seu entusiasmo. E disse para comigo: temos o Sérgio de volta, e a Caparica é aqui tão perto, mas podia ser no fim do mundo...
Alguns dias depois o Sérgio telefonou-me a dizer que se tinha esquecido de um jantar de família nesse dia e que ficava para a próxima. Qualquer coisa me disse que era apenas uma desculpa - e não averiguei, nem me interessou averiguar, se era verdade ou não - porque tive o triste pressentimento que não haveria próxima vez. E disse para comigo, com tristeza e amargura: não vamos ter o Sérgio de volta!
Conheci o Pai do Sérgio, antes de o conhecer a ele. Os nossos Pais foram condiscípulos na Faculdade de Direito, onde ambos se formaram, e o meu Pai falava dele como jogador do Sporting e que na comunicação social de então era tratado como o Dr. Abrantes Mendes. Mais tarde, em 1972 - vai fazer cinquenta anos -, inscrevi-me como advogado na respectiva Ordem e o meu Pai entendeu que me devia apresentar a certas pessoas da área da Justiça que me podiam ajudar no início da minha carreira. Se ajudaram, e uma delas foi o Dr. Abrantes Mendes, então secretário geral do Supremo Tribunal de Justiça. E deixem que vos diga, de passagem, que saudades eu tenho desses tempos, em que, na justiça, havia relações humanas e verdadeira cooperação entre os agentes da justiça - aquela cooperação que hoje é um mero princípio consagrado na lei sem aplicação prática numa sociedade virtual!
Como conheci então o Sérgio? No tribunal e por causa do Sporting!
Na verdade, após ter sido campeão em 1979/1980 (na época da Comissão de Gestão), houve um desentendimento entre João Rocha e o treinador (e nosso ex-grande jogador) Fernando Mendes que acabou com o pedido de demissão (na versão de Sporting) ou despedimento (na versão de Fernando Mendes) e o assunto acabou no Tribunal de Trabalho e nas mãos do Sérgio Abrantes Mendes, ainda um jovem juiz. Eu era vice-presidente do SCP e tomei também, nas minhas mãos de advogado, a defesa dos interesses do Sporting, pouco à vontade, porque o Fernando Mendes era um ídolo da minha juventude - grande capitão!
Marcada a audiência, houve, a precedê-la, uma tentativa de conciliação, mas eu não tinha grande margem para um acordo. Na altura da chamada das partes e seus representantes, saiu do seu gabinete o juiz Abrantes Mendes, e virando-se para funcionária disse: ‘deixe lá isso que eu, os advogados e as partes vamos resolver isto. As outras pessoas podem ir-se embora, que não vai haver julgamento’. Uma vez dentro do gabinete, virou-se para mim (advogado e representante da Direcção), para o Fernando Mendes e o seu advogado (cujo nome me não lembro, mas recordo que era do Sporting) e disse de uma forma curta e directa: tem de haver um acordo, isto é um julgamento em família e é em família que se vai resolver. E, com efeito, estávamos todos em sintonia que as relações entre Sporting e Fernando Mendes não podiam terminar ali, daquela forma litigiosa, sendo do interesse de ambos salvaguardar uma futura relação, que aliás veio a acontecer no tempo do Dr. Amado de Freitas.
Eu estava completamente de acordo com esse pensamento - e tive uma excelente relação de trabalho e amizade com Fernando Mendes posteriormente - mas um pouco limitado, enquanto advogado, pois não tinha poderes de facto, nem de direito, para celebrar o acordo. Percebendo o meu problema, o Sérgio disse: ‘eu depois telefono ao presidente João Rocha e digo-lhe que fui eu que obriguei o acordo’. Era assim o Sérgio!...
Durante anos, deu-nos tanto gozo contar isto aos amigos sportinguistas, com o orgulho de quem tinha levado à prática o princípio de que os assuntos da família leonina se podem resolver dentro da família leonina!
O Sérgio e eu tivemos algumas divergências, e fomos adversários nas eleições de 2011, mas foi exatamente a partir desse momento que uma nova relação nasceu entre mim e ele. Eu já tinha, há algum tempo, percebido que o Sérgio era daqueles que genuinamente sabia colocar o interesse do Sporting acima dos seus interesses pessoais, mas percebi então claramente que um certo distanciamento entre mim e ele era resultado de algumas intrigas sem sentido como acontece várias vezes no Sporting (e também noutros clubes).
Fomos vizinhos de escritório quando ele fez uma incursão na advocacia e nos últimos anos desenvolvemos uma amizade sólida, que da minha parte se fundou numa profunda admiração pela sua capacidade de luta contra a doença, em nome do amor à família e aos amigos, do amor à vida que ele adorava viver. Mal recuperava um pouco, logo aquela cabeça se enchia de ideias para almoços e jantares ou viagens: uma força da natureza que a natureza teimou em abater, mas que encontrou sempre resistência na sua alegria de viver, até quarta-feira passada.
Mas, nessa resistência, o Sérgio teve a seu lado uma mulher fantástica - outra força da natureza, a Fatia (como os amigos a conhecem), e que também teve enorme influência no desenvolvimento da amizade entre mim e a minha mulher e eles. Custa-me imaginar o Sérgio sem a Fatia ou a Fatia sem o Sérgio, como vai custar aos amigos não vermos os dois, sempre a pensar na melhor maneira de nos reunirmos e vivermos a vida.
Não vamos ter mais o corpo do Sérgio de volta, mas guardaremos no coração a memória de alguém que não passou pela vida por passar, mas para a viver com a família, os amigos e o Sporting. Tive o privilégio de conhecer o Sérgio, a sua família, os seus amigos mais chegados - e são muitos - e todos nós iremos estar um dia com ele: terá os seus amigos de volta e à sua volta!
Perguntava o poeta se valeu a pena? E eu respondo, setenta e cinco anos vividos neste planeta, onde conheci muita gente, mas demasiada gente que não presta. Não são muitos os que valeram a pena conhecer e são cada vez menos os que valem a pena conhecer. Valeu a pena conhecer-te a ti e a tua mulher, porque nos proporcionaste excelentes momentos na vida, em que a alegria foi a simples maneira de vivermos a vida. A alegria que te fazia ultrapassar a dor e viveres como se estivesse tudo bem. Foi essa tua capacidade de luta que juntou à amizade uma profunda admiração. Foste um herói que lutou até ao fim. Fazes-me lembrar a minha Irmã que muito me ajudou a relativizar os problemas que não passam de contratempos.
Descansa em paz, meu Querido Amigo. Nos continuaremos amigos e solidários com a Fatia e os teus filhos, na amizade e nas saudades que nos deixas. E tu, Sérgio, olha por nós, como sempre olhaste para nós: com verdadeira amizade!...


UMA NOTA FINAL

M UITAS vezes, demasiadas vezes, termino as minhas crónicas com uma singela homenagem a alguém que faleceu. Desta vez, o choque do desaparecimento de Abrantes Mendes obrigou-me a não falar de futebol, designadamente das derrotas do Sporting frente ao Benfica e ao FC Porto, ambas inviabilizando a conquista de títulos. Fi-lo de propósito, porque mais importante que perder um jogo de futebol é perder um amigo. Há mais jogos para jogar. A vida não volta!
Relativamente ao jogo do Porto, porém, não quero deixar de lamentar a infelicidade do Sr. Pinto da Costa ao dizer que se quisermos chorar teremos de ir à necrologia para ter motivo. Lamentável e estúpida gracinha, face ao falecimento de Sérgio Abrantes Mendes, um dos nossos e uma referência! E choro, choro sem vergonha a morte de um amigo e consócio, como também não me envergonho de ter vertido lágrimas por um Senhor do Futebol Clube do Porto - o meu saudoso Amigo, Dr. Pôncio Monteiro. A morte não tem clube: toca a todos.
Por outro lado, quero aqui deixar bem claro que perdi as duas provas ainda em disputa, mas não perdi a lucidez, graças a Deus. O projecto desportivo do futebol está vivo e está em andamento. Um percalço não pode desviar o rumo. Normalmente, o caminho é difícil, e o princípio dificílimo, num clube que não ganhava há quase duas dezenas de anos, e que matava todos os caminhos porque não ganhava logo. Ganhámos no princípio da caminhada e isso foi uma vantagem para ver o rumo. Por favor, não estraguem tudo com algumas adversidades de um caminho que é longo. Estou com o líder Rúben Amorim: não quero andar para trás.