Lisboa a dois

OPINIÃO01.12.202106:00

Depois da triste palhaçada no Jamor, dérbi na Luz e jornada final da Champions: Lisboa sonha com dois clubes nos oitavos pela primeira vez

D ÉRBI eterno na Luz apenas cinco dias depois dessa inenarrável palhaçada no Jamor que envergonhou o futebol português e projetou para o exterior uma imagem de absurda incompetência, desorganização e alheamento relativamente aos valores mais básicos da competição desportiva - sempre o mais importante, ainda para mais num futebol como o nosso, permanentemente envolto em suspeições e trapalhadas. No Jamor ficou sepultada a integridade e a verdade desportiva do campeonato profissional mais importante do País; tão ou mais grave, ficámos a saber que não há nenhum regulador com força, autoridade e bom senso suficientes para impedir em tempo útil a realização de um jogo de futebol profissional naquelas circunstâncias (!!!). Como escreveu o meu amigo Bruno Prata, ninguém foi capaz de perceber que não há normas escritas que se possam sobrepor à verdade desportiva. E quer a Liga portuguesa ser levada a sério! (já agora: a Liga é aquilo que os clubes querem que ela seja, mas a Federação, convém não esquecer, tem outras responsabilidades no futebol para além da gestão das seleções e de cultivar a boa imagem que tem nos corredores da UEFA e da FIFA…).
Do dérbi fictício do Jamor para o dérbi eterno na Luz vai a distância entre a quantidade de adeptos do B-SAD e os do Benfica e do Sporting, dois clubes gigantes seja qual for o ângulo de análise. É um jogo de tripla que antecede a última e decisiva jornada da Champions, onde o Benfica (recebe o Kiev na terça) tentará juntar-se ao Sporting (já apurado, joga no dia seguinte em Amesterdão com o Ajax) nos oitavos de final da competição clubística mais importante do mundo. No dérbi estão em jogo três pontos no contexto da rivalidade mais antiga e intensa do futebol nacional; não mais do que isso - o campeonato não se decidirá na sexta-feira, ainda que o FC Porto (joga em Portimão) possa terminar a noite como líder solitário. É claro que a baixa de Palhinha enfraquece o campeão - ninguém faz o que ele faz da maneira como faz -, mas Jorge Jesus sabe muito bem que a força do Sporting não reside neste ou naquele jogador, mas no coletivo, no espírito [de corpo] com que a equipa se faz ao jogo. Mas é natural que sem Palhinha a chatear (a cortar, a recuperar, a ganhar divididas e lances aéreos…) os médios do Benfica possam respirar mais e melhor na zona nevrálgica do jogo. Até porque quem o substituir - o jovem Ugarte ou o jovem Dani Bragança - não tem, nem podia ter, a dimensão alcançada por Palhinha.
O Sporting sobe à Luz moralizado por uma série de 11 vitórias seguidas e amparado pela melhor defesa do País. Quer prolongar a série e tem certamente argumentos para isso. O Benfica quer certamente ser o primeiro a derrotar o campeão - foi o único que o fez na época passada (4-3), na jornada seguinte à consagração dos leões - e tem certamente argumentos para isso. Jogo de tripla que se espera sem casos e com ambiente digno da dimensão dos rivais. Para porcas misérias chega e sobra a do Jamor.
Voltando à Champions. Na noite de terça-feira, caso o Benfica derrote o Dínamo Kiev, como é sua obrigação, e o Barcelona não vença em Munique, Lisboa terá pela primeira vez dois clubes na fase eliminatória da Champions, juntando-se às outras quatro cidades europeias que conseguiram esse feito: Londres (13 vezes), Milão (8 vezes), Madrid (7 vezes) e Manchester (duas vezes). Será um feito ainda mais histórico se o FC Porto, na quarta, conseguir a sua habitual qualificação… no grupo mais difícil de todos. Reparem que o futebol que consente uma farsa vergonhosa como a do Jamor é o mesmo que pode ter pela primeira vez três clubes na fase decisiva da Champions. Alguém nos explique isto.


RIVAIS LONDRINOS ‘SEMPRE’ LÁ

L ONDRES é sinónimo de Champions. Por 13 vezes em 18 edições desde o grande alargamento de 2003/2004, pelo menos dois clubes londrinos (sobretudo Chelsea e Arsenal) marcaram presença nos oitavos de final da prova, havendo uma época (2010/2011) em que estiveram três! (a dupla citada mais o Tottenham), uma proeza até hoje inigualada. Em 2018, outro facto inédito: duas cidades inglesas (Londres e Manchester) tiveram cada qual dois clubes na fase eliminatória da Champions. Milão, Madrid e Manchester são as outras três cidades europeias que tiveram dois clubes nos oitavos. A capital espanhola conseguiu a proeza de ver merengues e colchoneros finalistas em duas ocasiões (2014, Lisboa, e 2016, Milão) e ainda numa meia-final (2017), o que só tinha acontecido com Milan e Inter (2003). Veremos se Lisboa consegue entrar neste clube.


ABEL FEZ MELHOR QUE GALLARDO

NOTÁVEL a proeza de Abel Ferreira na Taça dos Libertadores: em menos de um ano (e no mesmo ano!) ganhou a prova duas vezes à frente do Palmeiras, uma equipa bastante modesta para os padrões impostos pelo Flamengo no futebol brasileiro. Tão modesta que dois jogadores esquecidos por todos viraram heróis eternos da torcida verde: primeiro foi o avançado suplente Breno Lopes (entrou aos 85’) que derrotou o Santos (1-0, ao minuto 90+9’!) na primeira das duas finais de Abel (Maracanã, 30 janeiro); agora foi Deyverson - outro avançado suplente, entrou aos 91’ - quem liquidou o Flamengo no prolongamento da final de Montevideu com um golo oportuno (95’) a aproveitar erro colossal de Andreas Pereira. Deyverson, um jogador fiteiro a ponto de simular dores infernais nas costas depois de levar um toquezinho do… árbitro!, passou por Benfica e Belenenses sem grande fulgor; agora é o «sapo que Abel beijou e transformou em príncipe», o batráquio louro que fez do Palmeiras de Abel Ferreira a primeira equipa a ganhar duas Libertadores seguidas desde o grande Boca Juniors de Carlos Bianchi (2000 e 2001).
Abel não fica na história pela qualidade estética do futebol do Palmeiras (um bloco de tração atrás, super combativo e solidário, feio à vista), mas pela maneira como conseguiu com um plantel pobrete mas alegrete o bi que o River Plate de Marcello Gallardo, de longe a melhor e mais consistente equipa sul-americana dos últimos anos, tenta sem sucesso desde 2015. Com três títulos seguidos na Champions sul-americana (Jesus abriu, Abel repetiu) e com Abel e Leonardo Jardim, enfático campeão asiático com o Al Hilal, qualificados para o próximo Mundial de Clubes (em fevereiro, nos Emirados Árabes Unidos), podemos dizer que ganhar grandes competições internacionais passou a ser uma coisa absolutamente normal para os treinadores portugueses. No entanto, não consigo deixar de acrescentar, dada a pobreza atual do futebol sul-americano (a nível clubístico e não só), que a Taça dos Libertadores, em termos competitivos, estará algures entre a Liga Europa e a Conference League. Acredito que esta Roma de Mourinho ou o Tottenham de Conte teriam ganho a final de Montevideu com uma perna às costas...