Lendo melhor a Operação Fora de Jogo
Há largos meses que a Operação Fora de Jogo, levada a cabo pela Autoridade Tributária (AT), sob a direção do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), estava em marcha. Daí que a parte visível do avassalador ataque aos clubes portugueses de futebol, seus principais gestores, agentes, jogadores e treinadores se tenha centrado, nesta última quarta-feira, numa mediatizada ação de busca a nada menos de 76 lugares, terminando, no final do dia, com o anúncio de constituição de 47 arguidos, sendo que 24 são pessoas coletivas e 23 são pessoas singulares.
Isso quer dizer que os 47 arguidos, já o eram...antes de o serem. Ou seja, não havendo tempo para uma rigorosa apreciação de uma tonelada de dossiers e de documentos confiscados na ação de buscas, torna-se evidente que a Autoridade Tributária já tinha em mãos suficiente informação para avançar na plena convicção de que existem fortes indícios de crimes quase generalizados de fraude fiscal, branqueamento de capitais, ficando ainda por se apurar se haverá razões para se chegar a crimes de associação criminosa.
O facto de terem sido investigados, pelo menos, metade dos clubes da primeira liga e, entre estes, os principais: FC Porto, Benfica, Sporting, SC Braga e V. Guimarães, todos eles alvos de buscas no mesmo dia, pressupõe que houve o cuidado estratégico de evitar a futebolização da ação de justiça.
Tivessem surgido diferenças ou distinções de forma e de temporalidade na ação, sobretudo em relação aos chamados três grandes, e seria provável a contaminação do clubismo naquilo que parece ser um simples e enérgico ato de justiça e de afirmação do interesse da moral públicas.
Sei bem que a tentação generalizada é a de condenação imediata, de se achar que o futebol português foi, há muito, invadido por manigâncias nas contratações de jogadores e treinadores, por práticas subterrâneas na distribuição de comissões devidas e indevidas, na configuração de uma certa arquitetura informal de pagamentos, que passam por soluções muito criativas. Agora se irá apurar se é verdade esse instinto nacional de que o futebol e o seu povo vive num mundo à parte, criado por dirigentes sem respeito pela ordem jurídica, e por agentes e advogados que se especializaram na arte da simulação e fuga.
Outra indicação, por provar, é a de que toda esta varridela, de alto abaixo, do pouco transparente mundo financeiro do futebol português, se baseou no conjunto de informações obtidas pelo hacker Rui Pinto.
Provavelmente, sobre este ponto, nunca se chegará a uma conclusão, muito embora seja tecnicamente possível que não podendo a Justiça atuar diretamente com base em provas obtidas ilegitimamente por um hacker, nada a impede de aproveitar a informação para conseguir as suas próprias provas.
Por fim, não menos importante, a expectativa aberta com a constituição de arguidos de figuras públicas como Pinto da Costa, Luís Filipe Vieira, Frederico Varandas, Bruno de Carvalho, António Salvador, eventualmente, Jorge Mendes, e muitos jogadores de fama nacional e internacional. Tanto mais que os crimes em causa, os quais, mesmo que formalmente acusados, teriam ainda de ser julgados e provados, poderiam configurar, em situações limite, penas de prisão e de inibição da continuidade do exercício de funções.
Certo é que num tempo em que a Justiça foi fortemente fustigada pela acusação de crimes de corrupção no seu sistema, a Operação Fora de Jogo acabará por provocar, com ou sem esse propósito, uma inversão na imagem de uma Justiça, no mínimo, desacreditada aos olhos da opinião pública.