Leão gosta de ser líder

OPINIÃO01.12.202003:00

Daqui a 25 jornadas, mais 88 minutos, Rúben Amorim promete afirmar se o Sporting é candidato ao título e convida os jornalistas, com argumento perspicaz, a não o massacrarem com a insípida questão para a qual, obviamente, não há resposta a dar nesta altura. Aliás, como ele sublinhou, numa espécie de cartão amarelo mostrado a quem acha o tema engraçado, por falta de imaginação ou por má preparação do trabalho de casa, a resposta já a deu em mais de uma ocasião ao acentuar que o objetivo da sua equipa se centra  em vencer  o jogo seguinte, que é o que todos os treinadores costumam dizer, sim, mas se o conseguir, e somados os pontos de todos os jogos, naturalmente que chegará à derradeira jornada do campeonato em posição muito favorável de poder vencê-lo. É intuitivo, até uma criança entende.
O Sporting não esteve particularmente esclarecido e eficiente diante do Moreirense. É normal,  mas também é verdade que os adversários começam a olhar para o líder da classificação com outros olhos, a estudá-lo com mais minúcia à procura de fraquezas, de pontos mal consolidados por onde seja possível armadilhar  o seu jogo alegre e simples  e contrariar o demolidor poder ofensivo que dele resulta.
Em concreto, o desfecho do Sporting-Moreirense não só distorce a real história da partida como o triunfo tangencial indicia dificuldades por que o leão nunca passou. Terá sido uma exibição menos luzidia, isso sim, mas apenas isso. Como muito bem advertiu Pedro Gonçalves, os adversários já analisam bem o estilo de jogar do leão (de certeza que sim), o que vai obrigá-lo a desafios mais exigentes, no sentido de responder a todos com o mesmo grau de eficácia que o conduziu ao cadeirão da liderança. Do qual candidatos assumidos o querem expulsar.  
São as regras, de aí a prudência na comunicação, com Rúben Amorim  a pensar  cada frase, cada palavra, da maneira a não tropeçar no artifício dos dois discursos sobrepostos, um para consumo interno, outro para ser vendido aos adeptos. Isso significaria o princípio do fim, porque uma coisa é a realidade de cada jogo, em que frequentes vezes se tenta enlear o oponente através da retórica, duvidando eu, sinceramente, do sucesso da ideia, outra, bem mais ambiciosa, é o rigor do projeto, que obriga a uma mensagem única e clara de modo a proporcionar um casamento feliz entre a  força de acreditar da equipa e o apoio convicto da família leonina.
Rúben Amorim continua a desempenhar um papel magnífico no teatro de sonhos de Alvalade. O caminho é por aqui e, sendo este o caminho, pode ser mais ou menos demorado de percorrer, tudo dependendo da confiança que os adeptos depositarem no trabalho que está a ser feito. Para já, o leão apoderou-se do primeiro lugar, a vantagem é relevante e, naturalmente, sente-se muito confortável. O problema passou a ser dos outros, dos que querem tirar-lhe a liderança. Quando puderem e…  se puderem.
Duas pessoas boas

NO espaço de uma semana ficámos atordoados com os falecimentos de José Bastos, Reinaldo Teles e Vítor Oliveira. O primeiro fez parte de uma geração com a qual nenhuma relação estabeleci, por força da diferença de idades, mas com os outros dois  tive a sorte de conviver o suficiente para  declarar que eram pessoas boas e respeitadoras do trabalho dos jornalistas.
Reinaldo Teles foi um um gestor de conflitos, no sentido de  tentar extinguir os incêndios provocados por tensões no relacionamento nem sempre fácil entre a hierarquia do dragão e a classe jornalística. De uma cortesia exemplar neste mundo agitado do futebol, com a sua infinda tolerância, foi também  um defensor da sã convivência através  do diálogo.
Tive o prazer de lidar com ele durante anos, no exercício da minha profissão, em diversas ocasiões e latitudes. Sempre me respeitou e nas viagens internacionais nunca recusou ajuda a quem quer que fosse quando a dificuldade em fazer chegar o serviço o mais depressa possível às redações parecia inultrapassável. Tinha essa sensibilidade:  o jornalista, que queria colocar as notícias no jornal a tempo de serem publicadas, e ele, que percebia a urgência de no dia seguinte os adeptos portistas terem toda a informação sobre o futebol  do seu clube nos postos de venda. Eram outros tempos, sem  internet nem computador, em que, apesar de divergentes opiniões, naquilo que era verdadeiramente importante, estavam todos do mesmo lado. Só guardo dele recordações muito agradáveis.
Vítor Oliveira foi um treinador  sério, livre e independente. Com aquela voz de trovão que punha o balneário em sentido, por respeito, não por medo, como em feliz oportunidade pude testemunhar, o que lhe agradeci em silêncio honroso por me considerar um dos dele, ainda que por rápidos segundos. Em agosto do ano passado, neste espaço, tive o privilégio de escrever o seguinte: «Sem se colocar em bicos de pés, nem invejar o vizinho, Vítor Oliveira escolheu o seu caminho, definiu os seus objetivos e divisou o sucesso.»  
Figura ímpar e amada, que o título de A BOLA, na sua primeira página da edição de domingo,  retrata com notável fidelidade: «O treinador que não precisou de um grande para ser grande!»
Os jornalistas perderam dois amigos. Sei o que escrevo. Nunca os esquecerei.