Laje - passado e futuro!...
SE tiverem a curiosidade de procurar num dicionário de língua portuguesa o significado do substantivo feminino laje encontrarão, de uma forma geral, pedra chata ou mosaico com que se cobrem pavimentos; pedra de sepultura; rocha de superfície plana; camada de betão armado que corresponde ao pavimento e ao tecto de um andar, de um edifício ou de outra estrutura semelhante. Não é vulgar falar-se em pôr uma laje sobre o assunto, sendo, no entanto, corrente falar-se em pôr uma pedra sobre um determinado problema, no sentido de que também se põe a laje sobre uma pessoa que morreu. Usa-se mesmo a expressão enterrar um assunto querendo significar que não se fale mais nele. Não quer dizer que se esqueçam as questões, os temas ou os problemas, como também não esquecemos o que as pessoas fizeram ou disseram enquanto por cá andaram. Laje, para mim, á algo que associo a passado, seja ele remoto ou recente.
Mas Lage, e lage com letra grande, é neste momento, um apelido, e um apelido que está na moda, sobretudo no meio desportivo e do futebol. Se colocar o nome em qualquer motor de busca, inevitavelmente, além da pedra a que nos referimos, aparece aquele apelido associado a Bruno - Bruno Lage, treinador principal da equipa de futebol profissional do Benfica!
É um nome do presente, com significado futuro, mesmo que alguém, com grandes responsabilidades, tenha dito, quando substituiu Rui Vitória, que os adeptos ainda iriam ter saudades deste. Pelo contrário, os adeptos e os comentadores de serviço já puseram uma laje sobre o tema Rui Vitória: pertence ao passado!
Curiosamente a laje de que falei acima também diz respeito a um Bruno, sobre o qual, enquanto ser humano, e como é óbvio, não quero colocar nenhuma laje, mas sim sobre o tema. Para mim é passado e é sobre este que eu quero pôr uma laje, e não estar constantemente a fazer comparações, avivando-o e dando-lhe palco.
Eu não quero esquecer o passado, como disse o Henrique Monteiro, e todos temos que tirar as lições do bom e do mau que se fez no passado. Em todas as coisas! Simplesmente, o passado recente está essencialmente ligado a uma personalidade, a um estilo defeituoso na forma de comunicar que acabou por contaminar a própria substância da gestão. Os sócios e adeptos do Sporting conseguiram um mínimo de união para dizerem que não o queriam mais e ponto final. A partir daí querem mais alguma coisa que não a recordação diária de cenas e cenários que nos entristecem e deprimem.
No seu artigo da passada quinta-feira neste mesmo jornal, Henrique Monteiro, por quem além de estima, tenho consideração e admiração, parece insinuar que eu (ou José Maria Ricciardi) só somos do Sporting quando somos dirigentes. Por mim, e para só falar do tempo de associado - fiz, dia 27 de Fevereiro passado, 56 anos - fui vice-presidente do SCP de 1980 a 1982 e 1984 a 1988 e Presidente da AG de 2009 a 2011. Será que nos outros anos não fui do Sporting?
Diz ainda este meu querido Amigo que é preciso é paz e que criticar-se a situação não resolve nada. Aí não posso estar mais de acordo, porque todos - ou quase todos - temos consciência do que aconteceu. Mas estar sempre a falar disso também não resolve nada e seguramente que o Presidente Varandas não estava à espera de um tapete de rosas, como nenhum dos outros candidatos estava!...
Em direito há uma figura que é o repúdio da herança e que consiste, como o próprio nome indica, em rejeitar uma herança que sabemos ter encargos em vez de ter dinheiro. Não somos obrigados a aceitar uma herança que só nos traz encargos e contrariedades. Por outro lado, a partir do momento que a aceitamos, não podemos só aceitar os benefícios e recusar os encargos ou as dívidas. Isso não existe. Pela mesma razão, quando nos candidatamos a um lugar de chefia ou de Direção não podemos pensar que só vamos ter benefícios e não temos caminhos das pedras a percorrer. Muito menos quando sabemos de antemão que temos mesmo um caminho de pedras a percorrer, como foi o caso das recentes candidaturas.
Simplesmente, todo o homem que se apresenta voluntariamente para exercer uma função de chefia de responsabilidade tem a estrita obrigação moral e mental de verificar previamente se os seus ombros podem arcar com as responsabilidades inerentes. E, se aceita a herança que lhe é transmitida pelo seu antecessor, tal como o herdeiro que aceita a herança do pai cheia de encargos, não pode andar o resto da vida a queixar-se, como soe dizer-se, da pesada herança. A desculpa da pesada herança do fascismo também teve o seu tempo, nalguns casos demasiado tempo.
É neste sentido que eu falo. É tempo de pôr a laje no passado recente, sem que isto signifique branquear uma gestão irresponsável, mas punindo quem deve ser punido, e pelos órgãos ou autoridades próprias. A punição de uns tantos não resolve os problemas concretos que o clube tem de enfrentar. Uma coisa é o passado que se deve condenar, mas outra, e mais importante, é a definição de uma estratégia para o futuro, sem tibiezas, com frontalidade e transparência.
É neste sentido que eu falo do Bruno Lage e de uma laje para o Bruno, para significar futuro e passado. Disse-o já muitas vezes, sem azedume, nem amargura, mas preocupado, que o meu tempo acabou. Mas hoje tenho de confessar que continuo preocupado e agora, mais que triste... amargurado!...
O grande educador
Estava em Valência, por ocasião do jogo com o Vilarreal, quando soube do seu falecimento, que me surpreendeu e entristeceu. Foi mais um amigo, um colega de faculdade e de profissão, um sportinguista, que morreu e que me deixa saudades.
Arnaldo Matos não se tornou meu amigo por força do Sporting, tanto mais que só soube dessa sua paixão há poucos anos, quando me manifestava as suas preocupações com alguma frequência. O que nos ligou, na faculdade, foi o desejo de liberdade, de pensamento e sua expressão, independentemente das divergências ideológicas. Houve sempre um grande respeito entre nós no que respeita às ideias ao ponto de ele ter sido eleito Presidente da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, mas não homologado pelo Governo de então pela sua conotação com o MRPP e ter sido ele próprio a sugerir que eu me candidatasse para lhe suceder, como sucedi, como Presidente.
O meu Pai, quando, a seguir ao 25 de Abril, o via e ouvia falar, dizia que tinha pena de não concordar com ele em quase nada, pois achava que poucos políticos raciocinavam e expunham o seu raciocínio de uma forma tão clara e em tão bom português. Também foi, para mim, um dos homens mais inteligentes com quem privei de perto e com quem tive o privilégio de conversar. Tal como um amigo comum, que conheci nesse tempo, o Coronel Aventino Teixeira, também já desaparecido. Dois conversadores e comunicadores de encantar.
Desculpem os meus leitores falar de alguém que não foi conhecido pela sua atividade desportiva. Não escrevo, porém, em qualquer outro local, não foi possível prestar-lhe a última homenagem pessoalmente, mas tinha obrigação de falar de alguém que me diz muito e que, quer queiramos quer não, ficará na história de Portugal como o grande educador da classe operária. E, independentemente das ideologias, estou grato a ele e a todos que lutaram pela liberdade em que não nasci, mas em que espero morrer!