Lage-Conceição: que duelo!
Tiago Pinto, o diretor geral do futebol do Benfica, pode ser visto como modelo do dirigente jovem e moderno, conhecedor dos vícios e das práticas do passado, mas imune as essas más influências. Os adeptos conhecem a parte mais visível do seu trabalho e que o banaliza, através da exposição no banco de suplentes durante os jogos em que, advertem os entendidos, às vezes se tomam atitudes que as regras chancelam, apesar de nos parecerem inapropriadas.
O seu lado mais reservado é o de uma pessoa discreta e simpática, com a perfeita noção do lugar que ocupa e da responsabilidade que lhe é exigida em função da grandeza e do prestígio do emblema que serve. Essa nobreza perpassa da entrevista que deu à televisão do clube, orientada pelo jornalista Hélder Conduto, em que, sem respostas polémicas, pois não é esse o seu perfil, disse, no entanto, o que os adeptos benfiquistas estavam à espera de ouvir depois de prolongado e angustiante silêncio devido à quarentena imposta pela Covid-19: «O Benfica estará bem, forte e capaz para ganhar as onze finais e os dois títulos que tem pela frente quando as pessoas voltarem a ver a equipa na televisão ou nos estádios.»
Anoto a confiança otimista de Tiago Pinto, mas não sei se será bem sucedido na medida em que as últimas exibições da equipa não deixaram saudades, nem sugerem melhorias expressivas no regresso, a não ser que o problema estivesse na mensagem que não chegava ao destinatário e não no volume e dureza dos treinos. É o que acontece quando os treinadores bloqueiam, perdem o rumo e não aceitam que às vezes vale mais uma conversa de olhos nos olhos do que um exercício mil vezes repetido.
Quando Bruno Lage assumiu funções, em janeiro de 2019, com vitória sobre o Rio Ave (4-2), o Benfica tinha sete pontos de atraso. Ao virar da primeira volta, a desvantagem reduziu para cinco e no final terminou com dois de avanço. Foi o ano da Reconquista, merecida e efusivamente festejada na família da águia. Muito mérito de Lage, naturalmente, que contou, todavia, com aliado imprevisto: o bloqueio de Conceição.
Esta época, inverteram-se as posições. Lage continuou com o acelerador a fundo sem se dar conta que a sua viatura tinha menos condições de suportar excessos de velocidade por tempo prolongado. Apesar disso, permitiram-lhe uma superioridade confortável, até que a máquina encarnada foi perdendo potência, abrandou e… gripou.
O título precipitadamente entregue ao Benfica, no virar de página do campeonato, com sete pontos de vantagem, não passou de uma miragem (Luís Filipe Vieira bem avisou). O futebol é caprichoso e, à semelhança do que aconteceu ao FC Porto há um ano, os mesmos sete pontos de avanço exerceram idêntica perversão no Benfica e, em três jornadas apenas, passou de líder tranquilo a segundo classificado deprimido e dependente. Muito mérito de Sérgio Conceição, que resistiu à fase turbulenta dos portistas, nos dois jogos com a águia foi melhor (seis pontos a zero) e contou, igualmente, com aliado imprevisto: o bloqueio de Lage.
É verdade que faltam dez jornadas, mas quem já perdeu com Porto (duas vezes) e Braga e deixou fugir a liderança, na Luz, diante do Moreirense, só pode queixar-se de si próprio.
A BOLA publicou, recentemente, uma excelente entrevista de Paulo Fonseca conduzida pelo jornalista de Rui Miguel Melo. O treinador da Roma, que considero um cavalheiro no futebol, conta, a dado trecho, que a sua ideia de jogo está sempre em aperfeiçoamento e a que tem hoje, em Itália, não é a mesma que tinha no Shakhtar, porque é necessário adaptar, melhorar e evoluir. Como explica: «Era um treinador muito fiel a um sistema de jogo. Neste momento, tenho a equipa preparada para jogar em diversos sistemas, de forma a podermos alterar a estratégia durante o jogo. Existe a necessidade de nos prepararmos para as coisas mudarem a qualquer momento do jogo.»
Afirmou ainda ter admiração imensa por Bruno Lage. É naturalmente genuína a referência elogiosa ao treinador benfiquista, mas creio que este ainda não assimilou a importância da evolução a que Paulo Fonseca se refere. O Benfica atual é a uma fotocópia desfocada do anterior a quem faltam, além do efeito surpresa que funcionou, João Félix e Jonas (ambos valeram 26 golos em meio campeonato).
Lage colocou o acento tónico no (seu) desenho tático sem avaliar se os desenhadores se sentiriam confortáveis nele quando talvez devesse focar-se primeiro nos jogadores e só depois eleger o esquema mais favorável às suas idiossincrasias. Tal como fez, tornou a equipa previsível, fácil de contrariar e que, quando se sente apertada, colocar em campo todos os avançados tem sido a solução de emergência, como no tempo do pontapé para a frente e fé em Deus.
Peço desculpa, mas não acompanho Tiago Pinto no seu otimismo. Na perspetiva benfiquista, não vejo como inverter o rumo das coisas no Campeonato, em que vencer as dez finais é uma obrigação, embora insuficiente. Será preciso que Sérgio Conceição fraqueje, outra vez.
A Taça de Portugal é diferente, faz parte de outra história: é uma final, cujo estado de espírito dos intervenientes será fortemente influenciado pela classificação final do Campeonato. Conceição ou Lage, um deles, garantidamente, vai chegar ao Jamor com o coração muito apertado e na iminência de ver uma época que poderia ser de grande festa transformar-se em doloroso pesadelo. É o futebol no seu verdadeiro esplendor, tal como o desejamos, arrebatador e fascinante