Lage amigo, Félix está contigo
Em outubro de 2018, Domingos Soares de Oliveira anunciou, em conferência realizada em Londres, que o Benfica tinha identificado os princípios e os fundamentos para um plano a dez anos, com consequências nas mais diversas áreas, nomeadamente ao nível do futebol profissional e do que dele se pretende, quer no estilo de jogo, na identidade da equipa ou no perfil de jogadores. A estratégia está em marcha e já em janeiro deste ano, na apresentação do projeto Benfica Play, o administrador executivo da SAD informou que o emblema exibe hoje uma «capacidade financeira diferente» que lhe permite atacar o mercado também de «maneira diferente».
No discurso da abertura da gala do 116.º aniversário do clube, Luís Filipe Vieira destacou a firmeza de «uma rota estratégica de afirmação da instituição em Portugal e no Mundo» e realçou a estabilidade financeira como base essencial para o salto qualitativo que a sua administração pretende dar e que lhe permitirá encarar o futuro com confiança e ambição, por ser o Benfica a maior marca portuguesa.
Ainda neste mês de março, foram divulgados os resultados financeiros do segundo semestre de 2019/2020 (entre julho e dezembro do ano passado) e que apresentam um resultado líquido superior a cem milhões de euros (104,2 milhões). Já em período de emergência nacional, Luís Filipe Vieira comunicou a doação de um milhão de euros para aquisição de equipamento diverso em benefício do Serviço Nacional de Saúde, numa ação conjunta com a Câmara Municipal de Lisboa e a Universidade de Lisboa. «O nosso clube sempre foi popular, do povo e muito difícil», sublinhou, em declarações à televisão do clube.
Há sólidos motivos, portanto, para considerar que o Benfica é demasiado grande para Portugal, como fez Domingos Soares de Oliveira em entrevista à agência espanhola EFE, ou proclamar que está muito avançado em relação à comunidade em que está inserido, como não se cansa de repetir Luís Filipe Vieira.
Do meu ponto de vista ambos têm razão: o Benfica é proprietário de um património fantástico que inclui uma academia com centro de treinos sem comparação, ao nível do que de melhor se observa no mundo. Adquiriu riqueza e estabilidade. Estabeleceu um plano de longo prazo e definiu uma estratégia. Além de tudo isto, é o emblema que soma mais Campeonatos e mais Taças de Portugal e, ainda, o que mais prestígio internacional detém em todos os continentes.
O que lhe falta, então? Recuperar a hegemonia, temporariamente perdida para o FC Porto, que se aproveitou, e bem, da sucessão de gestões irresponsáveis que empurraram o Benfica para a ruína. Não me ocorre outro termo para classificar a situação quando Manuel Vilarinho despachou Vale e Azevedo e Luís Filipe Vieira aceitou a empreitada de devolver a dignidade a uma águia sem forças para resistir a tantos vilipêndios.
Já muito se fez nesse sentido. Nos últimos dez anos o Benfica conquistou seis Campeonatos e o FC Porto quatro e nos últimos seis anos passou de seis títulos para a águia e um para o dragão. A recuperação avança, depressa, mas não à velocidade que os associados desejariam, o que é normal, embora insignificante para colocar em causa o que quer que seja.
Com o título por decidir, apesar da desvantagem de um ponto, compreendo mal a fragilidade da posição a que Bruno Lage tem sido exposto, estranhamente sem uma reação ou esclarecimento de quem deveria ter essa incumbência. Prescindir de um treinador com um ano de trabalho e que apresenta 86% de vitórias no Campeonato, em comparação com os 69% do fabuloso Klopp na Premier League, como li em A BOLA, devido a um mês mau, não me parece de acordo com o estatuto de um clube grande que deve agir em função de políticas delineadas nos gabinetes e não de impulsos provocados pelo ruído das bancadas.
Escreve o jornalista Paulo Alves que em 14 meses como treinador principal, em 43 jogos, Lage regista 37 vitórias, três empates e três derrotas. Em 129 pontos possíveis amealhou 114 e a equipa marcou 124 golos (média de 2,88 por jogo). Números são números e estes não enganam, assim como não deve enganar a opinião do geniozinho João Félix: «O Benfica tem um treinador competente, um treinador sempre atento a todos os detalhes, tem uma estrutura humana e condições de trabalho como poucos clubes no mundo e tem ainda um plantel recheado de bons jogadores. A soma de tudo isto resulta numa fórmula vencedora.»
É simpático e amigo o «miúdo», como lhe chamou Lage. Ele e Jonas, quando as dores nas costas lho permitiram, apenas em meia época, valeram ao Benfica, no Campeonato, 26 golos. Eis a diferença. Ainda não tinham reparado?...
À parte esse significativo pormenor, é deixar de inventar em jogadores fora de prazo (Taarabt) ou de duvidosa classe (Chiquinho) e recomendar a Bruno Lage que se concentre no ensinamento de Sven-Goran Eriksson: «[o Benfica] é um clube tão grande, em Portugal e na Europa, que não ganhar é um falhanço. Um segundo lugar não é nada».