Justiça!

OPINIÃO07.09.201801:45

Não estão fáceis os tempos para o Benfica, atormentado por série muitíssimo invulgar de suspeitas, buscas, investigações e, agora, também acusações. Processo e-toupeira a levar a administração da Benfica SAD a pronunciar-se sob a forma de comunicado lido, a meio da semana, pelo presidente Luís Filipe Vieira, após ser conhecida a acusação do Ministério Público no final de uma investigação que, pelo que se sabe, durou sensivelmente um ano.


Dois aspetos logo ressaltam.

O da mudança do tom com que os responsáveis da Luz reagiram, entre a notícia da constituição da SAD como arguida e a revelação, posterior, da acusação - recordo que num primeiro comunicado, foi  o Ministério Público acusado de medidas «absurdas e injustificadas», «insólitas e lamentáveis», e agora, pela voz do presidente, o discurso voltou-se para a «colaboração com a justiça», como não podia deixar de ser, e a esperança de que «as decisões dos tribunais limpem o bom nome do Benfica», como tinha obrigatoriamente de reafirmar.
Segundo, o da total omissão na intervenção de Vieira do nome de Paulo Gonçalves, o diretor jurídico da SAD, suspeito (e agora acusado pelo Ministério Público) de ter cometido mais de 70 crimes.


Por estratégia ou não, a verdade é que ficam no ar duas interpretações possíveis: o Benfica mantém tácita confiança no trabalho, comportamento e atitudes do diretor jurídico e entendeu, portanto, não precisar de o reafirmar; ou o Benfica se demarca, de algum modo, de Paulo Gonçalves e das alegadas práticas que o diretor jurídico possa ter cometido e que o Ministério Público entendeu agora considerar (e acusar de) criminosas.


No fim destas primeiras contas em mais uma semana do difícil combate que o Benfica trava (e vai ter de continuar a travar também na relação com os seus adeptos e sócios, mas também investidores e patrocinadores) para defender imagem tão atacada no último ano e meio, o que se viu ainda foi Filipe Vieira a mostrar-se tenso na leitura do comunicado com que reagiu às acusações formais, sem deixar espaço a qualquer confronto com os jornalistas, como tem sido aliás recorrente sempre que a matéria é judicial.

Devem os benfiquistas estar preocupados? Como podem não estar? Neste início de combate jurídico no processo e-toupeira, independentemente do que vier a passar-se daqui para a frente (e mesmo com ou sem julgamento), a verdade é que o clube e seus adeptos não podem deixar de sentir o peso mediático deste processo: Benfica acusado de corrupção! foi o título que ontem se espalhou um pouco pelos meios de comunicação de todo o mundo e que não é, como se sabe, apenas um título jornalístico.


Além do mais, infelizmente para o Benfica, funciona também como rótulo e mancha que nenhum adepto quer ver colada ao clube de que é adepto, mesmo presumindo sempre a inocência dos envolvidos e aguardando que a Justiça faça o que deve ser feito, punindo exemplarmente quem tiver de ser punido.

Quanto ao processo, e pelo que é público, será, no mínimo, muito difícil de acreditar que nada tenha sucedido que levasse o Ministério Público a deduzir, nomeadamente contra o diretor jurídico do Benfica e dois funcionários judiciais (um dos quais, ainda em prisão preventiva), este conjunto de acusações realmente graves.


Pela forma como parece estar deduzida neste caso a acusação (com fortes indícios da prática de alguns crimes graves) se depreende que está a Justiça muito empenhada em mostrar mão pesada no futebol, ao contrário do que sucedeu, há um par de anos, com o processo Apito Dourado, por exemplo, que acabou por se tornar, no fim, a montanha que pariu mais um rato, apesar do muito que a opinião pública teve também acesso. Nos tempos (e nos ventos) que correm agora, talvez o famoso Apito Dourado tivesse apitado de outra maneira..

Ainda que numa leitura muito preliminar do que acaba de ser exposto relativamente ao processo e-toupeira, é verdade que parece tudo menos fácil concluir-se da possibilidade de a SAD do Benfica poder vir a sofrer fortes danos desportivos, como o da exclusão das competições por período de seis meses a três anos como pede o próprio Ministério Público.


Seria preciso que ficasse provado que o Benfica tivesse procedido de modo a viciar ou alterar a verdade, a lealdade e a correção da competição desportiva, o que parece manifestamente não ser o caso, uma vez que neste processo as suspeitas se abatem sob a forma como determinada informação judicial terá sido alegadamente obtida de forma criminosa.

Não deixam, porém, todos estes tristes episódios (os que se conhecem e os que se imaginam) de deixar, mais uma vez, clara a lamentável e tão comum prática de uma insuportável cultura de compadrio, tráfico de influência, cunha, abuso de poder, troca de favores e benefícios ilícitos, infelizmente tão enraizada na sociedade que Portugal foi construindo nos últimas quatro décadas, e que a República, e o povo da República, tanto agradecem que a Justiça lute por erradicar, com a aplicação de penas exemplares, que não deixem qualquer dúvida quanto à sua proporcionalidade com os crimes cometidos.


Violar a máquina da Justiça e apropriar-se de informação indevida é muito grave! Realmente muito grave! É bom que se tenha a noção de que os crimes de que se falam agora (e de que são acusados funcionários judiciais, Paulo Gonçalves e a SAD do Benfica) põem em causa, apenas e só, o sistema da própria Justiça!

Volto, entretanto, ao assunto presente para sublinhar, uma vez mais, o que aqui escrevi há sensivelmente um ano, ainda antes deste caso e-toupeira e quando teve mais ou menos início a invulgar e sucessiva série de incidentes, revelações, buscas e investigações envolvendo a maior instituição desportiva do País - a convicção, que mantenho, de que o diretor jurídico do Benfica, por ver o seu nome invariavelmente ligado na Luz à larga maioria dos casos sob suspeita, deveria ter apresentado de imediato a demissão, para fazer no maior recato possível a legítima defesa da sua presumível inocência, sem colar permanentemente a essa defesa o nome do Benfica, como aliás fez, anos antes, por exemplo, o então diretor-geral da SAD do Benfica, José Veiga (mentor da vinda para Luz do advogado Paulo Gonçalves), quando se viu judicialmente envolvido num processo (de cariz mais pessoal, é certo) com o Fisco.  


Entendeu o diretor jurídico dos encarnados - sem qualquer dúvida um dos homens-fortes da estrutura profissional criada pelo presidente Vieira - colocar, já este ano, apenas o lugar à disposição, quando, em março, se viu publicamente envolvido neste caso e-toupeira (que indicia realmente alegada prática de crimes mais graves como são os da corrupção ativa e passiva, acesso ilegítimo, violação de segredo de justiça, falsidade informática e favorecimento pessoal) e veio a ser detido para interrogatório e posteriormente deixado em liberdade apenas com a proibição de contactar com os restantes arguidos.


Colocando o lugar a disposição, o que, a meu ver, fez o diretor jurídico da Luz foi deixar então à administração da SAD encarnada pouca margem para o aceitar.


Ainda vai a tempo?, poderá o leitor questionar. Duvido, com toda a sinceridade. Mas a gravidade dos factos de que é, agora, acusado (apenas acusado e não condenado, volto a sublinhar) pode, contudo, ser vista pela opinião pública como motivo suficientemente forte para levar Paulo Gonçalves a fazer agora o que não fez antes. Se verá.

OS tempos da Justiça são, hoje, claramente outros, e não é difícil perceber que tentem agora os diferentes instrumentos da Justiça mostrar, muito mais, evidentemente, do que alguma vez aconteceu nestes 44 anos após abril de 1974, que nada ou ninguém pode estar acima da Lei, procurando, assim, as autoridades atuar porventura com maior rigor, preocupação, foco e firmeza contra eventuais atentados ao Estado de Direito venham eles de onde vierem, da classe política, financeira, empresarial ou desportiva.


É o que se exige.

E o que se pede, como sempre, doa a quem doer, é que se castigue quem for culpado. Venham de casos e-toupeiras, e-mails, cashballs ou apitos dourados.

PS: Acaba, infelizmente, de forma lamentável a campanha eleitoral do Sporting, com afirmações sobre alegada situação financeira grave do clube e respetivos desmentidos, entre pessoas responsáveis que deveriam, porventura, ter tido, no mínimo, mais pudor. O leão pode viver, este sábado, eleição histórica; e vai  decidir, isso seguramente, algo crucial para o futuro!