Jota no Evereste
CONFESSO: esta semana invejei Diogo Jota. Quando era adolescente sonhei muitas vezes com o momento que ele acaba de viver. Vestir o manto sagrado do Liverpool, entrar pelo túnel encimado pelo letreiro mágico («This is Anfield») e avançar confiantemente pelo relvado virado para a The Kop a pensar: vou fazer saltar esta bancada tantas vezes... Parabéns a Diogo Jota. Com 23 anos chega ao Evereste do futebol inglês com a bênção daquele que é capaz de ser, neste momento, o treinador mais carismático do mundo, Jurgen Klopp (reforçando, de passagem, o estatuto na Seleção Nacional). Eis como o boss alemão justificou a contratação do avançado português num negócio que pode chegar aos 50 milhões: «Tem 23 anos, está longe de ser um jogador feito, tem tanto potencial. Tem velocidade, sabe combinar, sabe defender, sabe pressionar. E isso tudo torna-o imprevisível e dá-nos opções para diferentes sistemas. Pode jogar nas três posições da frente em 4-3-3 e se jogarmos com quatro médios pode jogar nas duas alas.» A moral que o jogador deve ter sentido quando leu estas declarações no site do Liverpool. Até hoje cinco futebolistas portugueses (dois consagrados, três jovens) jogaram pela primeira equipa do Liverpool - por ordem: Abel Xavier, 21 jogos, 2 golos; Raúl Meireles, 44-5; Tiago Illori, 3-0; João Carlos Teixeira, 7-1; Rafael Camacho, 2-0). Nenhum deles deixou marca duradoura.
Jota, avançado rápido, vertical, de jogo clean como Klopp gosta, confirmou na época passada a qualidade que se lhe intuíra na época de estreia na Premier. Mas confesso que entre os muitos jogadores portugueses do Wolverhampton sempre pensei que fosse Rúben Neves aquele com mais possibilidades de agradar a Klopp (além de Bruno Fernandes, claro, mas isso já noutro patamar). Não foi.
Jota conseguiu a proeza de ser contratado pelo clube que é, com o fantástico Bayern, a maior referência futebolística da atualidade. Agora vem o mais difícil: encontrar espaço numa equipa feita, madura, rotinada, fortíssima!, cuja linha avançada, formada por três jogadores de classe mundial (Mo Salah, Sadio Mané e Roberto Firmino) parece - e é - inamovível. Este tridente entra na 4.ª época com números arrasadores: marcou 223 golos dos 374 que o Liverpool fez desde 2017/2018 (o início da parceria) e não vale a pena pensar que Klopp vai mudar o que funciona (quase) na perfeição. Claro que não vai. Assim, para já, Diogo Jota parece condenado a ser um super-suplente como Divock Origi, o poderoso striker belga que, há dois anos, fez um bis ao Barcelona na célebre meia-final de Anfield (4-0) e marcou, depois, o golo que confirmou o sexto título europeu para os reds na final de Madrid com o Tottenham (2-0).
A condição de suplente não é drama para Diogo Jota. Já é muito bom fazer parte de uma equipa de época; há uns dias o meu amigo Luís Freitas Lobo disse, com graça, que este Liverpool é uma equipa à antiga no sentido em que soletramos o seu onze de cor. Sobretudo a linha avançada…
Agora preste atenção, caro Diogo Jota. Um dos jogadores mais queridos pelos adeptos do Liverpool foi David Fairclough (jogou ali entre 1975 e 1983), um veloz avançado ruivo condenado a ser suplente de duas duplas atacantes intocáveis - primeiro, Kevin Keegan-John Toshack, depois Kenny Dalglish-Ian Rush. Fairclough notabilizou-se pela frequência com que, saltando do banco, conseguia mudar o curso dos jogos (nomeadamente europeus), ora marcando, ora assistindo. Era um jogador eletrizante, não poucas vezes decisivo. Os adeptos adoravam-no e diziam «supersub strikes again» assim que ele marcava. Não sei o que Diogo Jota pensa disto, mas creio que pode ser uma inspiração. Estou a vê-lo entrar para o lugar de Sadio Mané, a quinze minutos do fim, e uma corrente elétrica a passar por The Kop…
P.S. - O relacionamento juridico-negocial Jorge Mendes-Wolverhampton foi estruturado à prova de bala. Só assim se explica que a Premier League continue de mãos atadas perante aquilo que parece um conflito de interesses (o empresário que vende jogadores a um clube cujo principal executivo é também membro da família Gestifute).