Jornada atípica e sorteios típicos
1 - Coates em versão murphyana de ‘serial penalteiro’ contra o Rio Ave, dando azo até a um bem apanhado neologismo na capa deste jornal, trinálti. Seferovic em versão hitchcockiana, falhando três golos cantados na primeira parte em Braga. Marco Pereira, guardião do Santa Clara, em versão maximal, defendendo os dois penáltis contra a sua equipa. Ao invés, Filipe Augusto, ex-jogador do SLB, em versão tranquila, a converter os penáltis em Alvalade. Em Paços de Ferreira, equipa recém-promovida, em versão precocemente punitiva, despedimento do treinador à quarta jornada. E, por fim, Xistra em versão burlesca, a bater o recorde de velocidade ao expulsar um jogador (do Vitória de Guimarães) aos 45 segundos.
Eis, pois, uma jornada completamente atípica. E, dos 3 grandes, o Sporting que, em teoria, tinha o jogo mais acessível, perdeu-o. O Benfica que, à partida, tinha o jogo mais complicado em Braga, goleou. O árbitro Xistra, perdão o FCP, teve nas cartolinas a arma ao dispor para compensar o enorme desgaste da preparação para o jogo na Luz. A propósito das expulsões e a julgar pelas registadas nesta ronda - ao todo nove - será que houve um qualquer pré-estado de ‘guerra civil’ que passou pelos campos?
Como costuma dizer Bruno Lage, o futebol é feito de momentos. Acrescento aqui, uns naturais, pelos jogadores. Outros contra-natura, resultantes de variados desvarios de quem tem afeições para evitar aflições. Dois exemplos: Marcos Acuña teve na cabeça o 3-2 para o Sporting, mas rematou (e foi) contra um poste mal iluminado e, na jogada seguinte, surge a penalidade que virou o resultado a favor do Rio Ave. Tivesse ele marcado e todas as análises que se seguiram seriam, por certo, diferentes. Quanto ao segundo caso, o árbitro no (do) Dragão resolveu facilitar a vida aos ditos dragões, coisa habitual no juiz, mas que, desta feita, se traduziu num hilariante momento de expulsão, de que até Marega ficou envergonhado e atónito. Agora só lhe falta expulsar alguém no túnel de acesso ao relvado, antes mesmo do jogo se iniciar, inventando uma nova forma de arbitrar (11 contra 10). Pondo de lado, a esperteza e o entusiasmo com que mostrou o cartão vermelho, só faço uma pergunta: e se a mesmíssima jogada tivesse sido do outro lado, perto da área portista, o que faria Xistra? Se calhar nem livre teria sido assinalado, quanto mais um modesto cartão amarelo… Interessantíssimo foi o comentário do narrador do jogo na Porto TV, perdão Sport TV Norte, numa versão de muito respeitinho e cuidado.
2 - Bruno Lage alcançou em Braga e para o campeonato a sua 12.ª vitória fora da Luz em 12 partidas, mantendo, assim, um notável registo imaculado. Ganhou bem e jogou bem, em mais um resultado desnivelado, vulgo goleada (nos 3 últimos desfechos, o acumulado nos jogos contra os bracarenses é de 14-3!). Embora o Sporting de Braga tenha alguma razão objectiva de queixa no pouco tempo de descanso face ao jogo europeu (tal como o Vitória Sport Clube), o Benfica foi sempre superior em todas as dimensões do jogo. Importante foi o regresso de André Almeida, que deu maior consistência defensiva e ofensiva ao lado direito. Taarabt teve um magnífico desempenho e constitui, sem dúvida, um bom reforço para uma época longa e com várias frentes, sobretudo num tempo em que o titularíssimo Gabriel não está em condições de jogar. No domingo, o Benfica teve na Pedreira 7 atletas portugueses. O Porto jogou com 3 (incluindo Pepe) e o Sporting com apenas 2.
3 - Por merecimento das duas principais equipas minhotas, Portugal passa para a fase de grupos das competições europeias com todas as suas equipas apuradas. Mas não apenas isso: fá-lo com as cinco melhores. Parecem, assim, estar criadas as condições para uma boa (ainda que não total) recuperação com vista a uma posição no ranking, que permita ultrapassar a Rússia e voltar a ter dois clubes directamente na Champions. Além disso, o Sporting de Braga ‘despachou’ uma equipa russa e houve outro clube desse país que nem sequer à Liga Europa vai (Arsenal Tula).
Os sorteios, seja em que contexto for, são sempre passíveis de uma interpretação mais benigna ou mais atormentada, mais esperançosa ou mais desesperante. Os efectuados na semana passada não fugiram à regra. O certo é que os sorteios não jogam nem fazem resultados, pelo que devem ser encarados com a naturalidade de quem quer estar na alta roda da Europa, seja na versão dourada, seja na versão prateada.
Naturalmente que foi sobretudo para o Benfica que encarei o tal sorteio. Concordo com o ‘veredicto’ de A BOLA, quando diz que cada clube do seu grupo tem 25% de hipóteses de ficar em qualquer dos 4 lugares. Começou por ser um bom pote 1 (o único não tubarão, Zenit), mas depois saíram talvez os mais temidos dos potes 3 e 4 (Lyon e - imagine-se no pote 4! - o alemão actual líder da Bundesliga, o Leipzig).
Observado a priori, o Benfica tem boas hipóteses de continuar para os oitavos de final. Há, no entanto, um senão: costuma haver sempre uma equipa quase destinada a fazer figura de presença, vinda do tal pote 4, pelo que, na pior das hipóteses, o 3.º lugar que permite continuar através da Liga Europa estará, em teoria, quase assegurado. Ora com este equilíbrio, o tal ‘prémio de consolação’ vai ser também renhidamente disputado. Longe vá o agoiro, mas logo me recordei do sorteio da Champions de 2014/15: o Benfica, então no pote 1, ficou num grupo também considerado equilibrado com o Zenit (pote 2), Bayer Leverkusen (pote 3) e Mónaco (pote 4). E qual foi a classificação no fim das 6 jornadas? Precisamente a inversa dos potes: 1.º Mónaco; 2.º Bayer; 3.º Zenit e 4º Benfica…
Desta vez, Portugal está na Champions apenas representado pelo SL Benfica, que, aliás, é a única equipa que esteve sempre na fase de grupos nos últimos 10 anos. E ter apenas um clube já não acontecia desde 2009/10 (na altura, o FCP). Todavia, há uma boa representação de jogadores portugueses em diferentes clubes: 21 a que se somam os atletas portugueses do Benfica, provavelmente 6 titulares, André Almeida, Rúben Dias, Ferro, Pizzi, Rafa, Florentino e mais 3, Jota, Gedson e Tavares, sem contar com Chiquinho, com uma lesão de longa duração. Já quanto aos treinadores há três portugueses: Bruno Lage, Pedro Martins (Olympiakos) e Luís Castro (Shakhtar Donetsk), a que se juntam na Liga Europa mais cinco: Sérgio Conceição, Ricardo Sá Pinto, Ivo Vieira e ainda Paulo Fonseca (Roma) e Nuno Espírito Santo (Wolverhampton).
Por fim, assinale-se o cada vez mais definitivo afunilamento da Champions. Apenas 15 das 54 Associações filiadas na UEFA (27,8%) chegaram à fase de grupos e as 5 principais ligas (Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França) estão representadas por 19 equipas (60% do total), ficando reservado para as outras 49 ligas apenas 13 lugares. O país com pior ranking que conseguiu este ano ter um clube na fase de grupos (Sérvia, através do Estrela Vermelha) está no 18.º posto. A partir daí é paisagem…