Jorge Jesus - um caso de estudo
Manuel Sérgio, na sua serena, mas firme sabedoria filosófica, costuma dizer que o mal de muitas pessoas que estão no desporto é o de não saberem em que área estão e, por isso, não saberem o que estudar.
É verdade que o desporto, a começar pelo seu conceito, não tem uma definição unânime. Tal como é verdade que o termo usado e abusado de educação física, a começar pela disciplina curricular, é desadequado aos novos tempos e aos novos saberes, e apenas existe porque ninguém inventou outro que possa gerar consenso.
Mas não nos dispersemos. O que acho de central importância é que o desporto seja estudado por quem o saiba estudar. E, para isso, precisamos de uma Universidade que não se limite a repetir saberes e conhecimentos. Precisamos de uma Universidade capaz de gerar espíritos de dúvida permanente, capazes de formar homens com espírito crítico e com vontade de saberem mais do que os seus mestres. E se esta necessidade óbvia de um futuro de progresso e evolução não agrada a alguns dos mais sensíveis egos catedráticos, que pretendem adquirir um género de estatuto de mestres honorários, ela torna-se fundamental para o progresso da ciência e para o progresso de toda a humanidade.
É também por isso que vale a pena estudar, com a maior seriedade, casos como o de Jorge Jesus. Porque se é, de alguma forma, natural que José Mourinho seja um treinador de sucesso, com um conhecimento sólido, assente numa cultura universitária, preparado para o estudo e para a compreensão do complexo fenómeno do futebol, Jorge Jesus conquistou o seu estatuto de mestre de âmbito internacional (quase) sem ir à escola. E, no entanto, é igualmente indiscutível o sucesso dos seus resultados e da sua carreira.
Claro que o simplismo conformista dos que apenas constatam e não percebem, leva à conclusão imberbe de que pode haver grandes treinadores doutorados e grandes treinadores que apenas têm o saber da experiência do jogo jogado e treinado durante as suas carreiras de futebolistas. Essa é a verdade pobrezinha de La Palice. Porém, o que verdadeiramente interessa não é dar conta do que existe, mas por que razão existe.
Quando Jorge Jesus chegou ao Flamengo, jornalistas, jogadores, simples adeptos do futebol, começaram por tratar Jorge Jesus por Professor. E Jorge Jesus disse, de imediato, que não queria ser tratado assim. Que não era, nem nunca tinha sido, professor; que o tratassem, então, por Mister.
Eis um episódio curioso. Mister tem origem no latim (ministerium), que significa cargo, ocupação profissional, arte, ofício. E, em Inglaterra, a pátria do futebol, Mister é uma forma de tratamento, que significa senhor. Para Jorge Jesus faz sentido que o termo Mister, seja o de um Senhor que sabe muito da arte do seu ofício, que é ser treinador de futebol.
É provável que Jorge Jesus não tenha feito qualquer conexão linguística quando levou centenas de milhões de brasileiros a chamarem-lhe Mister. Mas, curiosamente, é essa intuição, essa maneira de olhar e ver diferente, esta combinação de esperteza de bairro popular com a paixão por aquilo que quase unicamente lhe interessa, que fazem dele um profissional de elevadas competências, apesar de diferentes das competências universitárias de José Mourinho.
E é isto que vale a pena a Universidade estudar. Nas suas mais diversas vertentes, nas suas mais escondidas complexidades. Não deixando de fora a relevância de ambos terem uma manifesta, embora tão diferenciada, capacidade de comunicação, que recusa o lugar-comum e abdica de fórmulas pré-estabelecidas.