Joguem lá à bola!

OPINIÃO06.11.201903:00

AS (Ante-Sciptum) -primeiro que tudo, espero que o jovem central benfiquista Ferro esteja já em Lisboa hoje de manhã e de perfeita saúde.

1Uma semana decorrida, o meu diagnóstico mantém-se: com excepção do notável Famalicão, não há nenhuma equipa na nossa Liga a jogar futebol que mereça o preço de um bilhete. O FC Porto, que ainda o conseguia a espaços, teve três jogos de seguida em que pareceu ter esquecido tudo com a longa e absurda paragem do campeonato. Rezam os entusiasmados benfiquistas que a equipa de Bruno Lage, sim, essa reaprendeu subitamente a jogar. Bem, talvez nestes últimos dois jogos caseiros tenha jogado menos mal do que até então - o que não era difícil de todo, tão pouco jogava - mas, dos curtos períodos que vi dos jogos contra Portimonense e Rio Ave, o que mais retive foi a tradicional reverência das equipas chamadas pequenas ou mais pequenas em enfrentar as camisolas do Benfica. Há ali um pudor, um temor, um tremor, que acabam por ser os principais trunfos do Benfica para consumo interno. Contra essas equipas, o Benfica ganha quando joga menos mal, pois elas nem se atrevem verdadeiramente em contrariá-lo (veja-se a facilidade consentida do golo de Pizzi ao Rio Ave), e ganha quando não joga nada, mesmo que para tal tenha de sofrer o jogo todo e acabe por ganhá-lo nos últimos minutos, como tantas vezes acontece. É por isso que é tão difícil ganhar pontos ao Benfica no campeonato e é por isso que ele é o principal candidato à vitória final. Continuo a dizer que não foi o FC Porto que perdeu o campeonato no ano passado, apesar de ter deixado evaporar-se uma vantagem de 7 pontos que chegou a ter: foi a incrível, a inexplicável prestação do Benfica nos últimos 22 jogos - com 1 empate e 21 vitórias - que o tornou possível. E nesses 22 jogos nunca o Benfica teve de enfrentar um jogo como o que o FC Porto enfrentou e empatou em Paços de Ferreira, contra uma equipa que lançou mão de todos os truques do anti-jogo… para que não houvesse jogo.
Para consumo interno, pois, o Benfica lá vai chegando para os tímidos desafios de todos, menos do FC Porto. Mas quando a hora é de mostrar o que vale a nível europeu, este Benfica pouco ou nada vale - como se viu, mais uma vez, ontem à noite, em Lyon. (E apenas uma nota: nunca hei-de perceber porque razão os treinadores portugueses, quando chegam a estes jogos de exigência máxima, resolvem inventar e desmanchar a equipa habitual e já rotinada. Ao ver a grande jogada Pizzi-Seferovic do golo do Benfica, perguntei-me qual a lógica de, sendo eles dois dos três mais decisivos jogadores da equipa - o outro é Rafa-, Bruno Lage resolveu deixá-los no banco). Ele lá sabe, mas eu não entendo.

2O mesmo cenário repetiu-se para o FC Porto há oito dias na Madeira: enfrentar um adversário que quer tudo menos que haja futebol no terreno de jogo e que, para sorte sua e azar do adversário e do espectáculo, conseguiu chegar à vantagem muito cedo, no primeiro e feliz remate que fez à baliza - o que lhe permitiu não fazer mais nenhum em todo o jogo, defendendo sempre esse golito com onze jogadores atrás da linha da bola. Mentes sensíveis ficaram chocadas com as declarações de Sérgio Conceição no final, ditas a quente por alguém revoltado com o que tinha visto. Eu fiquei chocado foi com o jogo apresentado pelo Marítimo, um hino ao anti-futebol, um tratado de anti-desportivismo e falta de respeito pelo público e pelo próprio jogo. Sim, concordo com o José Manuel Delgado : há condições de desigualdade estruturais na nossa Liga que não permitem a equipas que não as grandes jogarem de igual para igual com eles. Isso é verdade, mas também é verdade noutros campeonatos, apesar de uma mais justa distribuição dos dinheiros televisivos, por exemplo. Existe noutros lados, mas aí não se vêm nem seriam admissíveis espectáculos como o que o Marítimo ofereceu na Madeira. E, apesar de tudo, não estamos a falar de um pobrezinho do futebol português: apoiado pelo Governo Regional, o Marítimo está longe de ser das equipas com menor orçamento, não luta habitualmente para evitar a despromoção e tem pergaminhos e história na primeira divisão que não são consentâneos com a atitude adoptada contra o FC Porto. E que, bem entendido, não se repetiu logo no jogo a seguir, contra o Gil Vicente. Uma atitude consentida por uma arbitragem permeável ao anti-jogo e sem coragem para, no final prolongar o jogo pelo tempo correspondente a uma segunda parte em que não se terão jogado mais do que 15 minutos.

3Se contra o Marítimo a fraca exibição portista tem desculpa pelo anti-jogo sistemático que teve de enfrentar, já a seguir, jogando em casa contra o último da tabela, não há desculpa para a prestação do FC Porto. Foi desesperadamente previsível e repetitiva, totalmente falha de imaginação e rasgo, sem talento individual nem ideias colectivas: miserável, numa palavra. Não sei se há jogadores estoirados a precisarem de descanso (estranho, apenas oito dias depois do regresso de quatro semanas de pausa…), se há problemas de disciplina interna que ignoramos, se Sérgio Conceição quer aproveitar para rotinar e incentivar todo o plantel ou quase, ou se apenas se está a divertir brincando com o fogo. Sei é que deixar de fora Alex Telles, Marega e Zé Luís de uma assentada já é um risco grande; mas acrescentar a esse risco a continuada presença de jogadores que estão a atravessar uma fase de nulidade absoluta - casos de Danilo, Corona e Soares - já é brincar com o fogo. A Danilo, quem quiser recordar-se de como ele jogava até há uns tempos, tem de o ver jogar pela Selecção, onde ele mostra tudo o que vale e que é muito; no FC Porto, não apenas deixou de ser um muro contra o jogo adversário como também está transformado num estorvo a toda a acção ofensiva, com uma lentidão de processos exasperante, uma previsibilidade enervante na leitura de jogo e nos sempre repetidos passes laterais ou atrasados: não é por acaso que se vê tantas vezes o keeper e os centrais portistas tentarem meter o jogo nos atacantes sobrevoando o próprio meio-campo. Corona, desde que esta época resolveu mudar de nome para Tecatito, é como se tivesse desaprendido de jogar: é uma sombra do grande jogador que vimos nos últimos anos, um estragador de jogo sem paralelo. E Soares, um dos cinco pontas-de-lança da equipa e escolhido em exclusivo por Sérgio Conceição nos últimos jogos, é como se não tivesse estado em campo em nenhum deles: uma apagada e desinspirada tristeza. Contra o Aves só se safaram Pepe (parece cada vez mais novo e mais rápido!), Manafá, o único que parecia querer atacar a baliza adversária, e o belo pontapé vitorioso de Marcano - aquele que, além do mais, vale pontos e que alguns adeptos não queriam de volta. Conseguirá esta tresmalhada armada portista reencontrar os bons ventos e já amanhã em Glasgow?

4Ao ver jogar Galeno, não consigo deixar de pensar, uma e outra vez, no seu estranho destino. Quem visse ocasionalmente os jogos do FC Porto B nos últimos dois anos, percebia que estava a li um jogador a não perder e a promover rapidamente para junto da equipa principal - uma opinião praticamente unânime. Mas eis que começa a época e somos surpreendidos pela notícia da venda de Galeno ao Sporting de Braga, por números nunca revelados oficialmente, mas que se supõe oficiosamente que não terão ultrapassado os 2, 5 milhões, menos as habituais comissões. Vendido, nem sequer emprestado. Ou, aliás, oferecido, que é o termo mais exacto. E, enquanto vemos Galeno a brilhar pelo Braga, continuamos sem ver - a não ser no banco raramente, na bancada ou nos treinos - o reforço Loum, que os portistas foram comprar ao mesmo Braga a meio da época passada pelo triplo do preço pelo qual lhe venderam Galeno. Comprado, a título definitivo, nem sequer emprestado para observação. Nem vale a pena comentar tanta clarividência, mas lá que dói, dói.
============00Destaque3.Opinião (17280604)===========