Jogador de seleção

OPINIÃO11.06.202106:30

William Carvalho está bem fisicamente? Então tem de estar. Comigo também estaria!

L EMBRO-ME de debater, em muitos momentos da minha já longa carreira nesta vida dos jornais, a existência de um «jogador de seleção». Isto é, se é ou não verdade que além do talento e da carreira que se vai fazendo, um jogador pode ou não ter aquilo a que, de forma muito abstrata, se designa por perfil de «jogador de seleção».
Nesse sentido, havendo um «jogador de seleção» como eu julgo que há, nalguns casos tornar-se-á menos importante saber se ele está a jogar muito, se está ou não numa forma extraordinária, se tem ou não tem o ritmo competitivo para aguentar, já amanhã, 90 minutos a alto nível.
Em todos os momentos que me lembro de ter debatido a questão, a conclusão foi sempre a mesma e reafirmo-a: claro que há um «jogador de seleção», na medida em que há jogadores que, por terem exatamente esse «perfil de seleção», não precisam de encher o olho ao povo para conseguirem encher o olho aos treinadores, e preencherem assim o que se exige a um «jogador de seleção».
Não vale a pena ir pelos detalhes, mas a história do futebol, mesmo a mais recente, está cheia de exemplos de jogadores que sempre apareciam nas seleções, e apareciam bem, mesmo se desapareciam momentaneamente das equipas de clube.
Dou, apenas como exemplo, o caso, absolutamente atual, do defesa alemão Antonio Rudiger, que, durante meses, mesmo sem ser chamado por Frank Lampard a jogar no Chelsea, continuou sempre a ser chamado pelo selecionador alemão, Joachim Low, que nunca prescindiu dele, certamente por ser esse tal «jogador de seleção», e logo numa seleção como a seleção da Alemanha, só uma das principais candidatas, sempre, a qualquer que seja o título em competição.
É nesta perspetiva que me parece merecer ver-se incluído William Carvalho, no caso da seleção portuguesa. Não jogou muito esta última época? A última vez que jogou hora e meia pelo Bétis foi em fevereiro, para a Taça do Rei? E o último jogo completo para o campeonato espanhol tinha sido já em dezembro?
Pois bem, William Carvalho é um daqueles casos em que tudo isso deve ser menos importante do que parece. Porque ele é, claramente, o tipo de «jogador de seleção» que creio existir, apesar de não se conseguir explicar muito bem o que isso é.
Se não está lesionado, se não apresenta dificuldades físicas difíceis de ultrapassar, se não vem para a seleção recuperar das dores nas costas, da ferrugem nas rótulas ou dos bicos de papagaio, então parece-me que um «jogador de seleção» deve merecer, em qualquer caso, a atenção dos selecionadores, que foi o que fez, e muito bem, o selecionador Fernando Santos, que acabou mesmo por chamá-lo, e muito bem, para voltar a integrar a seleção nacional na fase final de uma grande competição. Vai ser a quarta, para William Carvalho (dois Mundiais e, agora, segundo Europeu).
O que é preciso para se ser um «jogador de seleção»? Diria, genericamente, que é preciso ter-se a mentalidade certa. O foco preciso. Entender-se o contexto. É preciso ter-se o espírito e o carisma; a química e a ligação. É preciso estar-se inteiramente disponível para a equipa, para o treinador, para os companheiros. É preciso ser-se muito solidário.
Há os que têm muito talento e tão excecional talento que por si acabam por ser essenciais, e há os que têm as outras tantas coisas que fazem deles «jogadores de seleção». Altruísmo, energia de grupo, muito boa compreensão do jogo e disponibilidade tática, experiência suficiente e, mais do que isso, capacidade de a passar aos mais jovens, aptidão e generosidade para ajudar equipa em companheiros seja qual for a circunstância, e parece-me, com toda a franqueza, que William Carvalho tem tudo isso, há muito que tem tudo isso, e mesmo quando joga menos bem, é tudo isso que faz dele um «jogador de seleção».
William Carvalho é ainda um médio de muita qualidade, e bem compreendo o selecionador Fernando Santos quando diz que William faz de 6, de 8 e até de 10, e na verdade ele já o provou, mesmo a quem, porventura, tenha menos (ou mesmo pouco) conhecimento do jogo.
Não é preciso, na realidade, ser-se treinador para se ver a qualidade de William Carvalho, esse falso lento capaz de num rápido passe vertical fazer a equipa chegar, bem, à zona da finalização, capaz de perceber, com critério, o que fazer para aproveitar o movimento dos companheiros da frente, de estar no sítio certo para reagir à perda da bola, ou para socorrer o companheiro em dificuldade ou compensar alguma ausência num determinado espaço.
Creio ter sido possível perceber pelo jogo com Israel - apesar do contexto e apesar do relativo valor do adversário - a importância que continuará a ter na seleção a presença de um jogador como William.
Estando em condições físicas, comigo o William também era sempre chamado. De caras!

Q UANTO à perspetiva de uma seleção portuguesa que é campeã da Europa em título e o vai defender, a partir da próxima terça-feira, num Europeu modernizado demais para o meu gosto (já estou como Jorge Valdano, quase não sei onde se joga e menos ainda quais são os grupos), que se realiza com um ano de atraso por causa desta maldita pandemia, o melhor mesmo, no que diz respeito à nossa expectativa, dizia, pois o melhor é não ligarmos muito a estes jogos de preparação porque os jogos de preparação, no nosso caso, são sempre, tendencialmente, jogos com defeitos suficientes para aumentar o tom da crítica e diminuir a esperança.
A verdade é que jogar o Euro é outra coisa, e é nisso que nos devemos focar. Pode vir a não ser fácil Portugal ganhar jogos (e não vai, evidentemente, ser fácil), mas parece-me que também vai continuar a ser muito difícil bater Portugal.
Dir-se-á que é modesto trunfo para quem tem a responsabildade de defender o título e de mostrar que o título não foi, afinal, obra e graça do espírito santo. Mas não deixa de ser um trunfo. Defender bem é uma grande virtude, e se tudo começa na linha defensiva, na verdade não vejo seleção mais forte que a nossa. O que já não é nada mau. Bora lá!

É evidentemente fácil reconhecer a qualidade dos jogadores portugueses que compuseram a seleção nacional de sub-21, finalista do recente Campeonato da Europa. É fácil porque muitos deles têm realmente um talento excecional, uma qualidade técnica muito acima da média, e uma muito invulgar habilidade para o drible, para o efeito especial e para a diversão com a bola.
A seleção portuguesa voltou a fazer um Europeu muito bom, não se pode deixar de o reconhecer, e Portugal, tendo voltado a ser dos melhores, continua também a confirmar-se como um país verdadeiramente de futebol, de talento para o futebol, e de fantástico trabalho no futebol, da formação às primeiras categorias, dos clubes às seleções.
Como transformar, porém, todo esse talento em equipas realmente ganhadoras quando se chega a um Europeu como este de sub-21, que é já uma competição para jogadores de dimensão profissional?
A jovem seleção portuguesa realmente encanta. Mas não terá ficado mais uma vez, no fim, a ideia de uma certa diferença entre jogar-se futebol e jogar-se... à bola?
Voltou a equipa a mostrar um talento extraordinário, uma habilidade singular, uma criatividade e uma qualidade técnica absolutamente ímpares. Mas se jogar à bola é uma coisa, jogar futebol é verdadeiramente outra.
Não pareceu a equipa alemã mais adulta? Mais clarividente? Mais coletiva? Mais focada no essencial e menos no acessório?
São (e foram, de novo) os jogadores alemães mais fortes fisicamente? Foram. Mas foi apenas isso que fez a diferença? Não, claro que não. Não nos iludamos.
O futebol não se joga com os músculos, os músculos são importantes para a ação, mas não para a compreensão. Quem pensa que o futebol se joga com os músculos, deve pensar que o xadrez se joga com as mãos. E não é verdade. O xadrez, tal como o futebol, joga-se com a cabeça. As mãos servem para executar. Como os pés, no caso do futebol. Mas o jogo está todo na cabeça.
Jogar futebol exige uma permanente compreensão de que o jogo se faz com 11; jogar à bola é talvez levar cada um a preocupar-se bem mais com o próprio desempenho.
Mas para quê dar quatro toques na bola se apenas dois forem mais úteis à equipa? Para quê mais um drible se esse drible a mais desperdiçar a posição de um companheiro?
O que me parece que falta, por vezes, a alguns excecionalmente talentosos jogadores portugueses é exatamente uma melhor compreensão de que o futebol é um jogo a que os britânicos, não por acaso, deram o nome de association. A questão é exatamente a de se conseguir pôr ao serviço da equipa o que está na cabeça de cada jogador.
Portugal voltou a mostrar, regra geral, defesa de categoria e defesas de categoria. Daí para a frente, como se costuma dizer, com a bola no pé, foram todos um espetáculo; o pior foi o resto.
O resto é o que parece ser decisivo para se ganharem títulos. Não será?!