Jesus tem de ser capaz

OPINIÃO24.08.202106:00

Nunca é tarde para acertar contas com o passado. Ao treinador depara-se-lhe oportunidade de ouro para recolocar o Benfica na Liga dos Campeões

ESTA noite, em Eindhoven, o Benfica vai ter um exame em que não pode falhar. Não se decide nenhum título, é verdade, mas ninguém tem a menor dúvida sobre o significado do desfecho deste jogo e da sua influência no futuro próximo do clube. Que não acaba, obviamente, se lhe faltar engenho e arte para seguir em frente, nem  adquire poderes especiais, se a eliminatória lhe for favorável, mas as coisas são como são. Entre colocar em risco a capacidade de resistência da instituição, na iminência de outro cenário de crise, ou gerar condições que lhe permitam recuperar o prestígio europeu a escolha é simples, nem oferece discussão. O desafio com o PSV só tem uma saída, a vitória, mas, no limite, o empate também serve.
Afinal, a situação talvez não seja tão negra quanto parece. Pode a família benfiquista ficar mais tranquila porque muitos dos seus medos advêm, precisamente, da incongruência comunicacional de Jorge Jesus, que se esgota na promoção da primeira pessoa do singular, a sua própria figura, subalternizando o clube que lhe paga,  que vê jogos de uma forma diferente e que extrai conclusões que ninguém enxerga. É o drama dos génios, por viverem em plano  superior e sentirem-se incompreendidos. Sim, mas até eles, se quiserem, podem reagir como gente normal. Foi o que o Jesus fez a dado passo da sua estranha análise acerca do jogo da primeira mão, na Luz, quando proferiu  uma frase solta que foi recebida como um bálsamo. «Temos todas as condições para chegar à fase de grupos da Liga dos Campeões», afirmou.  Mais, lá chegados, deixou a promessa de vida longa na mais importante prova de clubes do mundo. Para os adeptos da águia foi como um chilreio melodioso que os seus ouvidos acolheram com indescritível deleite.

A TÉ prova em contrário, continuo a pensar que Jesus vive no seu mundo imaginário e que se julga aquilo que não é, nunca foi, nem deverá ser: um grande treinador. Dessa estirpe, e sendo a Europa a capital do mundo do futebol, identifico dois: José Mourinho, grandíssimo (duas Ligas dos Campeões, uma Taça UEFA a e uma Liga Europa, fora o resto) e Artur Jorge (uma Taça dos Campeões Europeus, além de vários títulos nacionais). Os outros são bons e, felizmente, em Portugal existem cada vez mais, a trabalhar cá dentro e,  principalmente, no estrangeiro.
Jesus integra este grupo, e nem o coloco no topo da lista, porque, limitando-me à sua primeira passagem pelo Benfica (seis anos), qualquer outro, com a necessária  competência, dispondo de idênticos plantéis e nas mesmas condições de trabalho teria conseguido resultados mais robustos. De aí em diante, continuando a focar-me no seu desempenho interno, e vai para a quinta época, incluindo as três no Sporting, santa paciência, qualquer jovem treinador a construir carreira, culto e com o mínimo de aptidões, não teria feito pior. Na bazófia ninguém o bate, é o seu estilo, mas a realidade do campo não confirma essa inopinada presunção. 

G ARANTEM-ME, no entanto, que está diferente e aplaudo essa mudança, que lhe fica bem.  Tal como lhe ficou bem, a seguir ao triunfo (2-0) em Moscovo, diante do Spartak, ter-se lembrado de Luís Filipe Vieira:  «Não me posso esquecer de uma pessoa que foi muito importante para mim, por ter regressado ao Benfica e por me ter dado oportunidade na primeira vez (…). O mérito que tenho desta vitória é para ele. Fez grande trabalho no Benfica. É meu amigo e continuará a ser meu amigo.»
Pode ser gabarola, até de uma forma patológica, mas mostrou ser grato e quem defende esse valor, em vias  de extinção numa sociedade invejosa e intolerante, merece a minha consideração. Podia ter-se esquecido, mas fez questão de lembrar-se de quem lhe deu notoriedade, riqueza e influência. Se Jesus tem tudo isso hoje, a Luís Filipe  Vieira o deve, um presidente que em minha opinião apostou nele mais do que as circunstâncias aconselhavam e que, em troca, não recebeu as conquistas desportivas que merecia.

N UNCA é tarde, porém, para acertar contas com o passado. A Jorge Jesus depara-se-lhe hoje  oportunidade de ouro para recolocar o Benfica na Liga dos Campeões, porque é lá o seu lugar, ao qual tem de regressar e do qual saiu por responsabilidades várias, a que o treinador não pode fugir. Na sua área de intervenção, primeiro, falhou na eliminatória com o PAOK e depois, no campeonato, terceiro classificado, atrás do  Sporting (menos nove pontos) e do FC Porto (menos quatro).
O Benfica viaja para a  segunda parte do play-off com a vantagem de  um golo, escassa, mas suficiente. Falta saber como irá a equipa comportar-se, na atitude, na bravura, na estaleca, no espírito de sacrifício. Alguns atores perderam a voz  depois do intervalo, no jogo da semana passada, em Lisboa. A fadiga é a desculpa amiga mais à mão, sem explicações convincentes, mas logo à noite não vai haver espaço para gente cansada. Nem para mais desculpas, já o escrevi, e insisto.
É hora de Jorge Jesus se chegar à frente e mostrar que é capaz. Os benfiquistas querem muito acreditar que sim. É o mínimo, porque a Champions nem sequer começou. Ainda estamos na fase de seleção dos alunos menos aplicados…