Jesus, o ‘evangelizador’
Apesar de transferir a sua atividade profissional para um país pouco cotado no mundo futebolístico, Jorge Jesus decidiu bem. Não só por causa da vertente financeira, que é prioritária, devendo ter-se em consideração que o seu estatuto de sexagenário o aconselha, naturalmente, a amealhar o máximo possível enquanto lho permitirem as suas capacidades físicas e mentais numa profissão de extrema exigência, seja em que local for, mas também porque, intimamente, sem sentia obrigado a passar a fronteira de Elvas e provar à saciedade coragem e saber para enfrentar outros perigos.
Fez bem, por tratar-se de uma experiência enriquecedora, do ponto de vista da sua valorização, pessoal e profissional. Apenas poderá pecar por tardia, Que eu saiba, há três anos, foi-lhe sugerida semelhante oportunidade de risco, embora, por questões que só a ele dizem respeito, tenha preferido outro combate, mantendo-se neste retângulo na franja da Europa em que todos ralham e ninguém se ouve, em que os ‘chicos espertos’ teimam em pensar que vale tudo, porque não vale, como Jesus teve o cuidado de sublinhar por estes dias, numa palestra sobre liderança e multiculturalidade, organizada pelo International Club of Portugal, em que apelou a uma «linguagem completamente diferente, em defesa do futebol».
Este projeto, à beira dos 64 anos de vida, é mais abrangente do que se supõe, não se resumindo a uma oferta de emprego assente em generosa retribuição financeira, sem mais nada para acrescentar. Não é assim, daqui em diante será errado dizer-se que o seu espaço de notoriedade nem Badajoz alcança. Tão pouco que as suas aptidões como treinador de excelência foram moldadas, unicamente, para o mercado interno.
Precisava de dar este passo e, sobretudo, olhar para a realidade do nosso futebol do lado de fora, como observador qualificado, distante, independente e, se quisermos, até, desinteressado.
Escrevi há cerca de dois meses, após a eclosão da crise leonina, que nunca vi em Jesus a genialidade que muitos lhe enxergam. Trata-se de simples opinião, pura e dura, que alguns embaixadores de boas maneiras preferem incluir na lista de ofensas. É assim…
Reconheço-lhe competência, mas a sua personalidade egocêntrica, geralmente má conselheira, fá-lo acreditar ser o que não é. «Não fosse esse défice de humildade e, muito provavelmente, hoje, seria treinador de um clube grande, em liga de superior dimensão europeia» [A BOLA, 10 de abril].
Vai trabalhar num país de 30 milhões de habitantes, em clube de referência e regular participante nas competições da Confederação Asiática de Futebol (AFC) que controla a zona do globo que mais tem cativado o interesse dos principais emblemas europeus, à procura de receitas para suportarem os seus milionários orçamentos. É para lá também que os mais destacados treinadores mundiais caminham, tal como os artistas da bola em fim de carreira, numa espécie de ‘cruzada evangelizadora’ para espalhar as virtudes do futebol e de certa forma contribuir para a pacificação no mundo. Como? A história recente encerra exemplos bastantes sobre a inigualável sedução deste jogo, com o poder de aglutinar como nenhum outro o que a política e os políticos dividem.
Jesus parte para a uma nova etapa na sua carreira e o desejo de regressar à origem mais não é do que a tradução do sentimento de quem emigra: voltar um dia, mais forte. Julgo, porém, que, antes disso, esta ‘aventura no desconhecido’ poderá ser a antecâmara de onde verá abrir-se-lhe a porta de um dos notáveis da Europa.
Enveredar por cenários enigmáticos neste momento não me parece, pois, ideia a partilhar. Treinar o FC Porto? Outra vez o Benfica? Ou acabar o que lhe falta fazer no Sporting? Seja o que for, Jesus sabe que não pode falhar neste desafio se quiser cumprir esse tal secreto objetivo que dizem que tem…
Fernando Seara, na sua crónica de domingo, em A BOLA, escreveu o seguinte:
«Assistimos à despedida, semanticamente controlada, de um dos treinadores marcantes desta década do futebol português: Jorge Jesus. E com a certeza que a sua presença árabe será curta já que anunciou o regresso - porventura mais breve do que muitos pensam - ao futebol lusitano. Para alegria de uns e para perplexidade de muitos.»
Peço desculpa pela minha ignorância, mas, se o professor não for mais explícito em próximo texto, não chego lá…
Nota -Bruno de Carvalho foi reeleito, destaco o reeleito, em março de 2017, com 86,13 por cento de votos, e confirmado em fevereiro deste ano, com quase 90 por cento. Dizem os opositores que ele mudou, digo eu que ele foi sempre o mesmo. Só não viu quem não quis...