Já esgotámos a nossa quota de milagres

OPINIÃO22.06.201804:00

OS dois primeiros jogos de Portugal foram muito parecidos. No primeiro, a seleção não jogou nada e no segundo nada jogou. Contra a Espanha, Patrício fez uma belíssima exibição, Moutinho foi um gigante e o Cristiano criou e marcou os golos suficientes para não perdermos; contra Marrocos, o mais genial jogador português de todos os tempos marcou o golo necessário para a vitória, Moutinho encheu o campo e Patrício foi o fantástico guarda-redes que é. Tudo o resto foi mauzinho, muito mauzinho mesmo. Tanto Espanha como Marrocos mandaram no jogo, construíram muitas mais oportunidades de golo do que Portugal e reduziram a nossa equipa a uma vulgaridade assustadora. Valeu-nos São Cristiano e o valente Moutinho.


Tirando essa inexplicável mania de colocar em campo o quinto melhor defesa direito português, não se podem apontar erros a Fernando Santos na escolha da equipa. Já se sabia que a defesa é o calcanhar de Aquiles desta seleção. Fonte tem as limitações conhecidas, o Pepe continua um gigante mas a idade não perdoa. O que não se esperava é que o Raphael Guerreiro estivesse tão mal e que o William esteja a ser uma pálida imagem do jogador que realmente é - já muito se deve ter arrependido Santos de não ter trazido o Rúben Neves. É o que há.
Incompreensível é havendo tantos e bons jogadores no meio-campo e no ataque a equipa não consiga fazer três passes seguidos, que em dois jogos não se tenha visto uma única jogada com cabeça, tronco e membros. O plano de jogo parece resumir-se a o Cristiano resolve com a variante chutão para a frente e o Guedes corre. Não há talento que resista a uma equipa com jogadores a quilómetros uns dos outros e sem saber o que fazer à bola. Sendo evidente que nenhuma equipa pode ter bons resultados a jogar dessa forma, acresce que um campeão da Europa não pode mostrar tanta mediocridade. Há um estatuto a preservar.


Cada um joga com as armas que tem. Portugal tem Cristiano e o plano de jogo ofensivo passa inteiramente por ele. Nada mais lógico. Estranho seria ter o mais extraordinário goleador de todos os tempos e a equipa jogar como se ele fosse apenas mais um. Mas nem se pode resumir a equipa ao rapaz, nem se pode pensar que o Cristiano vai fazer muitas exibições como a que fez com a Espanha - apenas a melhor de sempre de um jogador português em jogos de seleções. Mais, sendo o nosso setor defensivo o que é, torna-se imperativo ter soluções de ataque sólidas, é que a nossa defesa vai sofrer mais golos do que era costume. Como aqui escrevi na semana passada, é imperativo que esta equipa tenha tração à frente, não só porque o setor defensivo é frágil e inevitavelmente sofrerá golos com seleções mais fortes que Marrocos, mas também porque a qualidade dos nossos jogadores ofensivos é superlativa - convinha que mostrassem alguma coisinha e que houvesse o mínimo de organização de jogo, claro está. Tivesse Marrocos aproveitado algumas das oportunidades que teve e podíamos ter tido um grande desgosto. Nem o Cristiano vai marcar hat-tricks todos os jogos - apesar de ele insistir em conseguir sempre mais do que esperamos dele - nem as seleções que aí vêm serão tão perdulárias como Marrocos.


Depois do jogo contra os marroquinos e confessando-lhe eu as minhas angústias com o jogo da equipa, um amigo dizia-me que preferia jogar assim e ganhar a jogar bem e perder, como antigamente acontecia. Felizmente, nenhuma equipa ganha consistentemente jogando mal.
A nossa seleção tem jogadores que chegam e sobejam para jogar muitíssimo melhor. É bom que o comece a fazer. É que os milagres estão pela hora da morte e cheira-me que já esgotámos a nossa quota.
 
Coisas que o Mundial tem

O diálogo tem um pressuposto básico: o mesmo código. No mesmo sentido, ter uma linguagem comum abre o leque do diálogo. Ou seja, se conseguimos falar sobre um assunto, a possibilidade de trocar umas ideias sobre outro qualquer é infinitamente maior do que se pura e simplesmente não conversarmos.


Pois claro, o assunto é o futebolês e o Mundial. Não há evento que aproxime tanta gente de tão diferentes proveniências como um mundial de futebol. Enquanto as competições de clubes afastam as pessoas, dividem em tribos - é da sua natureza e não há nada de mal nisso se os limites forem respeitados e se só ao jogo em concreto essa fronteira for traçada -, estas provas unem. Quantas vezes estão à conversa um egípcio, um panamenho, um português e um russo que nunca se viram mais gordos ? Em que a conversa começa com futebol mas segue por outros caminhos?


É verdade, um Mundial é um hino ao otimismo. Não é, porém, um ao futebol. Não se pode comparar a qualidade média dos jogos, mesmo entre as principais seleções, com a Liga dos Campeões e das mais importantes ligas nacionais - ainda pior será quando a cegueira materialista da FIFA pão aumentar o número de seleções nos Mundiais. E, claro, isso é normal. Um conjunto de jogadores que treina de vez em quando não pode apresentar o mesmo nível de entrosamento do de uma equipa que está junta todos os dias, mesmo sendo a qualidade dos atletas inferior.


Seguindo a mesma lógica, continua a fazer-me uma confusão dos diabos este tipo de provas ser decisivo para a valorização de um jogador. Será que os principais clubes afinal não têm bons departamentos de recrutamento e seleção? É imaginável que quatro ou cinco jogos sejam decisivos para aquilatar o valor de um jogador e sejam menorizadas épocas inteiras?


Entende-se que noutros tempos provas como as grandes competições futebolísticas fossem a única altura para observar jogadores que era difícil ver. Agora, até nós, simples amantes do jogo, podemos acompanhar jogadores nos mais recônditos cantos do mundo. Há aqui um anacronismo evidente. Talvez seja uma forma de os agentes do futebol tentarem dar relevância futebolística a algo que vale muito mais pela emoção, pelo sentimento de pertença, pela festa. E se assim for, ainda bem.

O capitão Herrera

Aexibição do nosso capitão no jogo do México contra a Alemanha foi fantástica. Nada que a nós portistas espante, foi o espelho desta última época. O Herrera transformou-se num símbolo do brasão abençoado. E isso é evidente até pela forma como o criticamos quando joga mal, não há quem não saiba que as piores discussões são as que se dão entre membros da mesma família. Gostava de o ver com um contrato vitalício com o FC Porto. É com estes jogadores que se constroem grandes equipas, é com jogadores que sentimos parte de nós que se criam laços fortes entre a equipa e os adeptos.


Capitão, quando o teu México jogar podes ter a certeza que tens uma nação de portistas a gritar por ti.